Monday, May 22, 2006

Popocatepetl y Iztacihuatl


Vejam que coisa linda! Essa eu tirei do avião

Sunday, May 07, 2006

...É deliciosa a inocência do instinto
Mas o tempo e os modos nos distanciam do silvestre
Vejam a cara de felicidade de uma criança
Depois de fazer um cocô bem grande...

Friday, May 05, 2006

Os urubús se manifestam no Brasil


É repugnante a cobertura da grande mídia sobre a estatização dos recursos naturais na Bolívia. Evo Morales fez uma coisa que o Brasil e os outros países da América Latina já tinham feito há muito tempo. Passou o controle da exploração do sub-solo boliviano para as mãos do estado boliviano. Pra quem não sabe a Petrobras tem o monopólio da exração do petróleo brasileiro e os estado brasileiro tem o monopólio da exploração do sub-solo. Por medida de concessões, o Brasil concede o direito a qualquer empresa de explorar o sub-solo da nossa nação. Ainda assim somos surrupiados, enganados e damos lucros extratosféricos à Vale do Rio Doce e etc. Foi exatamente isso que Evo Morales fez.
"Guerra do gás" é o termo mais usado pela Globo ao referir-se à decisão de Evo. Chamam o governo brasileiro a defender os interesses da nação (entenda-se nação a Petrobras e seu acionistas privados) frente ao governo boliviano. Chamam de equivocada a estratégia de diplomática de Lula, que reconheceu a legitimidade da decisão de Evo. Enfim, as elites brasileiras e o poder econômico estão na verdade extremamente incômodos em ver o povo boliviano tomar conta de seus recursos naturais. Como urubús, a elite brasileira dá mais uma vez uma mostra de sadismo ao questionar o caminho para a libertação da Bolívia. Preferem ter aos vezinhos na merda para que não nos represente nenhuma ameaça. É a lógica capitalista mais cruel, as elites ficam apavoradas quando algém, sobretudo um vizinho "menor" consegue tirar o nariz da merda. É uma vergonha ver a grande mídia brasileira se contorcer de raiva porque a Bolívia agora tem um presidente que pensa nos bolivianos e não nas empresas petroleras.
Como eu posso crer no liberalismo então?

Monday, May 01, 2006

Da nascente de um rio

Era dia, 11 horas
Depois de muitas horas de anunciação
De muitas semanas de imaginação
Brotaste como uma nascente de água.

Vinheste sem medo, sem ira.
Sereno como se acordasse agora
Como se já soubesses do rio o destino
Do homem que ama a missão.

Nesse dia, fosses meu navegante
Quiz ser também rio, levar-te entre margens
Inundar as margens, mostra-te quão calma e poderosa
É a força das águas contidas no curso.

Calma! haverá tempo, haverá, serás rio
Serás curso, aprenderás a deixar as margens de lado
E fertilizar as esperanças do único objetivo de um rio
Saltar-se por sobre as margens, desembocar na vida.

Friday, April 28, 2006

Hoje chegam Marina e Chico.
Passei o dia limpando a casa, num frenesi maníaco compusivo de arrumação. Desde ontem que não penso em outra coisa. Novamente ter a minha companheira comigo aqui em casa, ter meu filho botando cheiro de nenên na casa. Ah, que delícia! Estive alguns dias no campo, alguns dias sozinho. Sim só, porque ainda que eu tenha minhas companhias por lá, que nunca me deixam sentir-me isolado, eu estava só. E quando estou só me passa algo muito curioso. Começo a descobrir coisas extranhas em mim, que meu ritmo é diferente e meio desordenado quando não tenho a Marina por perto. Mas não é toda vez que isso acontece, já morei só, gosto de ficar só em casa às vezes, e nem sempre tenho essa sensação de que minha vida está...oca. Sim, estou acostumado a ausentar-me de minha casa, de separar-me de Marina a trabalho. E quase sempre é bom, saudável, nos dá saudade um do outro, nos livramos das idiosicrasias um do outro e nos reencontramos e reenamoramos quando nos juntamos de novo. Mas dessa vez eu sinto que busco algo, que arrumo a casa e não está bem, que abro as portas dos armários várias vezes sem aparente motivo, que não consigo me concentrar em coisas muito complexas. Já sei, é saudades das grandes mesmo, da minha mulher e do meu filho.
Vou me embora pro aeroporto buscá-los.

Friday, April 21, 2006

Trela de caçador


Mais um dia de campo ao lado de Raymundo. Figura! Já falei de Raymundo num texto anterior, das suas qualidades de caçador, de sua personalidade de caçador. Pois hoje esse sujeito aprontou uma trela das mais engraçadas. Estávamos num fragmento pequenino, uns 3 ha de área numa época seca de árvores sem folhas, muita escassez de água e comida para a fauna. Separamos-nos a pedido meu para agilizar o trabalho, mas nem precisaria mesmo, Raymundo sempre me deixa pra trás o pra frente no mato, nunca anda ao meu lado, nunca conversa muito a não ser que me veja meio cabisbaixo por uma saudade qualquer.
A floresta estava realmente seca, mudada de cara, de roupa, parecia outra floresta, o sol tropical inclemente das 11:00 am nos castigava cruzando os galhos nus das árvores, pouquíssimos frutos haviam. De repente chega Raymundo ao meu lado depois de ouvir uns gritos meus, lhe chamava para que me ajudasse a encontrar parte dos meus experimentos que se haviam ocultado misteriosamente sob meus olhos enganados pela selva sem roupa.
- Raymundo, deixa-me pegar umas coisas aí na bolsa que levas contigo.-
Ele abre a bolsa e vejo uma coisa como uma galinha depenada dentro
- Que é isso aí dentro Raymundo?-
Era uma Chachalaca, ou Jacu em bom tupy. Uma espécie de galinha selvagem, na verdade um pouco menor mas suficiente para alimentar duas pessoas.
Ele me olhou com uma cara de menino treloso e começou a rir.
-Pensei que não ias reconhecer a Chachalaca depenada-
-Como não Raymundo? Mas como mataste esse bicho?-
O danado não levava seu rifle quando andava comigo. Isso porque eu lhe pedi que não caçasse pelo menos nos lugares onde eu tenho meus experimentos. Então ele me mostra a arma do crime... um bodoque! Um bodoque desses que eu usava lá no Engenho do Meio pra matar pardais e lagartixas. O danado matou esse bicho de uma única pedrada na cabeça e o depenou em menos de 15 minutos (tempo que estivemos separados).
- Eu nem queria Felipe, mas ele se atravessou no meu caminho e como eu trazia o bodoque dei-lhe um tiro. Ele estava pedindo pra morrer.-
Comemos a Chachalaca assada na brasa na sua casa, acompanhada, claro, de umas cervejas bem geladas.

Friday, April 07, 2006

À Francisco

Francisco, Chico
Filho da poesia da carne, da metáfora da carne
Afinal o amor é poesia, fazer amor é poesia
Amar desmedidamente é verso há muito conhecido.

Mas é mais que verso a carne
A carne é vida que veio da poesia
É a melhor metáfora do verso
É materialização da poesia

Já veio pronto, carne e espírito
Afirmando a unidade do que nunca se dividiu
Carne e espírito, poesia e verso
-Vida plena meu filho-

Saturday, January 14, 2006

La poesía me da dosis extras de vida
Me acerca a lo más crudo y debil de la carne
Los sueños muertos y los por nacer se hacen carne en la soledad de la poesía.
Los siento a todos muy adentro, tan adentro que no los puedo ser
No puedo ser lo que quisiera, no soy lo que pensaba.
Soy solo lo que brota, lo que fluye por mis venas
Tan complejo y la vez tan evidente que me asusta de muerte
Entonces escribo, hiriéndome de muerte en un suicidio
Y revuelvo todo para fuera, la sangre para fuera, las lágrimas para fuera
Lo que brota y lo que fluye se me aparece y pierde el sentido y el misterio
Pierde la poesía, pierde la carne, pierde el movimiento.
Así me convenzo de mí
De mi carne, de mi naturaleza cruda, incógnita y debil
Necesito esa lucidez carnal, el instinto del auto-preservación
Pero más aún necesito el atentado poético de herirme y luego salvarme.

Saturday, November 26, 2005

Diário de Campo 25/11/05

Escuto histórias e estórias
Com distintos sotaques de diferentes línguas
Quanto mais ando mais reconheço a minha própria espécie
Não preciso andar o mundo para saber-me humano
Mas quanto quisera faze-lo!

Diario de Campo 22/11/05

São 6:00 da manhã, e o friozinho do sereno me impede de deixar a rede e o saco de dormir que me cobre. Penso num monte de coisas ao mesmo tempo, as tarefas do dia, o nome do meu filho, o décimo sono no qual Marina deve estar imersa lá no México, quantos minutos mais posso dormir sem que me atrase para o meu encontro com Don Raimundo. Obviamente de tanto pensar e calcular minutos de cochilo me levanto às 6:48 num sopetão acrobático e em menos de 10 minutos estou dentro do carro esperando Don Raimundo, o “mateiro” que me ajuda aqui.
Ainda me falta tomar o café da manhã com Doña Chona, uma simpaticíssima senhora que cozinha meu café e almoço diariamente. Umas tortilhas, banana, ovo com pimenta e feijão. Infelizmente não tenho tempo de desfrutar esse café com mais calma. De qualquer forma falo algumas besteiras só pra arrancar umas gargalhadas de Dona Chona, adoro sua risada e quem não gosta de sair pra trabalhar depois de presenciar um bom sorriso. Don Raimundo é um típico mexicano do campo, baixinho barrigudo, de fala rápida mas pouca. É caçador por natureza, anda calado e atento, sobretudo anda só. A impressão que tenho é que qualquer companhia o molesta. Um dia de noite enquanto eu perdia no xadrez pra seu filho de 15 anos ele me diz:”...eu durmo aqui fora da casa muitas vezes.” Mas por que Don Raimundo se você tem uma cama e esposa? E ele me reponde seco: “O caçador é assim mesmo Felipe, está sempre só”. Talvez por isso quando andamos juntos pelo mato, fazendo trilhas, ele sai disparado na frente e quando estamos voltando pela trilha que fizemos, 1 km ou mais, ele vem atrás, bem atrás, só. É arisco mas amável ao mesmo tempo, todos os dias me convida pra jantar e faz questão que eu coma do peixe que ele pescou. Seu maior orgulho são seus filhos dois adolescentes, o menino de 15 anos é bastante bom no xadrez e em matemática e jogamos todas as tardes, quase ninguém no povoado sabe jogar xadrez e ele não me deixa passar um dia sem jogar, na maioria das vezes ele me ganha. Don Raimundo já foi imigrante, cruzou caminhando o deserto do Arizona pra trabalhar de carregador de tacos de golf para os gringos. Ele diz que foi bom, ganhou bom dinheiro “até andei de avião”. Entre ser fudido sem ganhar nada e ser fudido ganhando algo, o ser humano se fode ganhando. Voltou por motivos que ele não gosta de lembrar e eu não quis nem perguntar.
Já é hora do almoço, deixo Don Raimundo em casa pra depois vê-lo mais tarde durante as partidas de xadrez com seu filho. Dona Chona já me espera com a mesa posta no terraço de sua casa de madeira 3 por 6, um único vão. “Pásele muchacho” diz ela já sorrindo quando me vê. Uma boa comida simples e picante, bem mexicana. - Puxe assento Dona Chona e me acompanhe aqui enquanto almoço, isso se a senhora não tem muito que fazer aí claro. Duas horas depois estou saindo com o bucho cheio de comida e a alma cheia de lições de vida. Uma verdadeira terapia onde conto histórias, enquanto ela fala também das suas. Algumas gostosas risadas intercalam um cafezinho e uma lembrança. Sinto que minhas histórias parecem entretê-la muito e como eu adoro falar, pelo menos o faço pra alguém que ainda não as conhece de cor como Marina e os meus amigos mais próximos.
A tarde foi feita pra desfrutar-se, jogar xadrez, tomar banho de cuia com água fria, Don Raimundo não pára em casa a não ser que passe e ouça a resposta que quer ouvir quando nos pergunta quem está ganhando. - Seu filho está com vantagem. Puxa uma cadeira e senta pra assistir ao jogo, como não entende nada, logo se entedia com a lentidão do xadrez e se levanta outra vez. Quando anoitece toma sua espingarda e vai caçar no lado belizenho, cruzando o Rio Hondo que divide México e Belize. Não tem tido sorte ultimamente, mas pelo menos consegue pescar algo todo dia. Não depende da caça pra comer, ganha algo bem com sua lavoura de cana de açúcar e seus bicos, tem até um carro velho.
Assim termina o dia e a única coisa que sei agora é que me arrependo de todos os dias que reclamei da vida por qualquer motivo.

“Viola, furria, amor, dinheiro não.”

Diário de campo 18/11/05

Tu ausencia es lo más doloroso
Ni la mordida del perro de anteayer
Me causa tanto incomodo como el sin ti.
Tu recuerdo es la más desesperada esperanza.
Tu imagen es mi consuelo nocturno
Cuando me despido, con la conciencia entorpecida de trabajo
Nuestra vida, amor, es lo que inunda mis sueños.
Los sueños, esa masa espesa de pensamientos
Se hacen nubes cuando los visitas.
Ahora que traes adentro de ti, mi sueño
Que lo das forma, color, pensamiento
Es como si fueras tierra, mar y fuego.
Eres todo lo misterioso, todo lo asustador
Eres la diosa quimera, criatura y criadora.
Mi redención y mi euforia.

Monday, November 14, 2005

Tony “El Tigrero”

Na vida nos deparamos com muitos personagens marcantes, gente de outro mundo, de outros hábitos, de outras idéias. Nas minhas andanças de biólogo, tive a sorte de conhecer pessoas muito interessantes: homens do campo, homens da mata, crianças espevitadas, mulheres de olhares distantes e caçadores e suas histórias.
Tony “O Tigrero” é uma figura dessas, um homem de meia idade, que já caçou segundo suas contas: 284 onças-pintadas, umas 100 suçuaranas (onças pardas), outras dezenas de veados, porcos-do-mato, cabritos monteses da América do Norte, antílopes da África, codornas e faisões de sei lá onde mais. Um homem que dedicou toda uma vida a caçar e caçar, sempre com seus cachorros de raça black and tan. Esse sujeito hoje se dedica paradoxalmente à conservação da onça-pintada, ou tigre como dizem os mexicanos da Selva Maya do México num projeto em parceria com meu orientador da UNAM.
Seu nome é Antonio Rivera, filho de um ex-dono da filial mexicana produtora de “água preta do capitalismo”, a coca-cola. Nasceu em berço de ouro multi-milhionário segundo suas próprias palavras. Quando adolescente caçava codornas e faisões com seus cachorros como um passatempo de rico a la inglêsa que sai a caçar raposas com cavalos e cachorros. Tocava numa banda de rock do México até seus 19 anos, estudou nos EUA como todo bom filho de mexicano rico. Manejo de fauna silvestre era o nome da graduação na Universidade de Montana, alí conheceu a um monte de caçadores gringos e pegou gosto pela coisa que aos poucos passou de ser um passatempo a uma atividade constante. Como era rico, podia dedicar-se a essas “pendejadas” (idiotices) como ele diz. Dedicou tanto tempo a isso que não terminou seu curso lá na gringolândia e voltou ao México para vender caçaria de onça-pintada a gente rica que lhe pagava 10 mil dólares pra que ele possibilitasse a um comum executivo de bolsa de valores a emoção de caçar um bicho brabo desses no meio de uma floresta virgem do México.
Assim viveu por 30 anos, caçando em média 20 bichos desses por ano e tirando livres de imposto uns 200 a 300 mil dólares por ano, continuava rico caçando onça. Segundo ele de todos os bichos que ele caçou, apenas 6 morreram por disparos dele. Cinco onças quando amigos fazendeiros seus lhe pediam que ele matasse a uma gato que andava comendo bezerros nas suas terras. A única onça-pintada que ele matou por gosto foi na Bolívia, onde se sabe que como no Pantanal mato-grossense habitam as maiores onças-pintadas do mundo, uns felinos com 120 kg e toda a beleza que a evolução lhes brindou. Todos os outros animais eram mortos pelos gringos que o contratavam para acompanhar-los na floresta, procurar, perseguir e encurralar a onça com os cachorros para que os gringos dessem o tiro no bicho e posassem para fotos com os cadáveres das bestas. Em 94 se proibiu a caça de onças no México e ele já não sabia fazer outra coisa mais que caçar onça. Faliu, hoje mora numa modesta casinha alugada em Chetumal.
A única saída que encontrou para continuar “caçando” foi trabalhar para a conservação da onça-pintada na Selva Maya que abarca todo o sul do México, Belize, Guatemala, e parte de Honduras e El Salvador. Sua função no projeto de conservação do maior predador da Floresta Tropical americana vai desde a elaboração do plano inicial, contatos, procura de fontes de financiamento até a mão na massa. Na verdade a mão na massa é a sua razão nisso tudo. Ele segue caçando onças com seus cachorros e seu rifle, mas desta vez pra colocar colares de telemetria nos bichos que serviram pra estudar seu movimento dentro da floresta, estimar sua densidade e preferência de habitats. Com isso esse sujeito é feliz.
Escutar Tony O Tigrero falar de suas caçarias, de suas andanças, de seus tigres é escutar uma mãe coruja falar de seu mais genial rebento. Minha reação de biólogo ao ver as suas fotos com centenas de onças mortas foi de espanto. Mas tenho que confessar que senti um pouco de inveja dele também. Por alguns minutos enquanto folheava seus álbuns com as fotos dos cadáveres de onça e sorrisos dos gringos que as mataram, imaginei como seria estar em caçarias de onça, 3 ou 4 pessoas e uns 5 ou 6 cachorros bem treinados. Encontrar um rastro de um bicho daqueles depois de horas caminhando pela mata fechada, abrindo caminho a facão. Logo soltar os cachorros a procurá-los por mais algumas horas, correr atrás dos cães loucos e encontrar um bicho brigando e esturrando me pareceu algo emocionante. É a emoção de caçar, que naturalmente trazemos no DNA de caçadores que sempre fomos. Comecei a me lembrar de quando era pirralho e caçava passarinhos e lagartixas nas ruas do então semi-selvagem Engenho do Meio. Lembrei da emoção que sentia quando conseguia matar a um pardal, lembrei das vezes em que me acordei cedo pra ir pegar passarinho no matagal do clube da Sudene com a esperança de cair alguma patativa ou papa-capim no meu alçapão. Lembrei das malvadezas que fizemos eu e meus primos André e Fernando em Maceió quando decidimos todos os gatos da vizinhança da casa de minha tia deviam pagar porque um deles havia comido um passarinho engaiolado nosso. Construímos bodoques potentes e saímos a caçar gatos. Sem falar nas pescarias e mergulhos pra pegar qualquer peixinho minúsculo em Porto de Galinhas. Não faz 6 meses, Marina testemunhou minhas tentativas constantes e perseverantes de pescar um peixão numa prainha por onde passamos de viagem aqui no México. Dois dias inteiros e nem um peixe, mas a cada lance do anzol, minha esperança renascia. É bom demais caçar qualquer coisa. Perdão pela sinceridade, e pelo politicamente incorreto, mas caçar é realmente humano.

Saturday, November 12, 2005

Diário de campo, Chetumal nov/2005

09 nov

No avião.

Outra vez estou voando. Pode parecer banal para os executivos engravatados, mas pra mim um reles mortal, segue sendo uma experiência no mínimo inspiradora. Alguém deveria tomar uma providência e patrocinar vôos para poetas, escritores ou até para os que sofrem de depressão. Voar deveria ser usado como terapia emocional. Ora, o céu já não pertence somente ao Condor e nós criaturas não-aladas podemos voar em monstros de ferro, mas podemos voar sim. Quando decolamos do México estava muito ansioso pois tinha a esperança de ver os vulcões de cima, do céu, como quando cheguei aqui. Não deu, estava bastante nublado o céu e o casal Popocatépetl e Iztaccíhuatl estavam escondidos, imersos num imenso algodoal celestial, frio e manso. Manso sim, quando o avião ascendeu sobre o que do solo parecia uma tempestade apocalíptica com céu negro e pesado se via um extenso e suave campo branco. O sol que da cidade do México não se via há vários dias ainda caía no ocidente tamisando o céu num nítido gradiente de azuis e laranjas.
Agora já anoiteceu e os passageiros se entretêm com amendoins e refrigerante. Somente amendoins e refrigerante! Pareceu-me de uma pirangagem sem igual da companhia aérea. Porra, estou voando e me servem somente essas merdas! Que tal um vinho, ou até mesmo uma cerveja. Bom, talvez eu ainda tenha uma lembrança de quando eu era bem pequeno, uns 6 anos e voei com minha família a Porto Alegre e me lembro muito bem que era como uma festa, toda aquela comida servida em potinhos, com garfinhos e frescuras assim... ah!. Mas voltando aos passageiros, esses comem amendoins e tomavam água negra do capitalismo, faziam palavras cruzadas e desejavam corpos e celulares anunciados nessas patéticas revistas de bordo.
Eu ...vou terminando essa nota porque ainda resta mais uma hora de vôo e apreciar as luzes humanas a 8000 m de altura me faz pensar em formigas e formigas são como nós, insignificantes e encantadoras criaturas.

Sunday, October 30, 2005

El Día de Muertos

O nosso dia de finados no Brasil é conhecido no México por um nome mais claro, “Día de Muertos”. Apesar de a palavra “finados” significar o mesmo em espanhol e em português, os mexicanos preferem nomear esse dia de maneira mais crua, sem esse negócio de finados, defuntos, desencarnados e etc. A morte é a morte e quem padeceu desse mal, ou foi vítima desse fenômeno tão antigo como a vida é morto e pronto, quem sofre de morte é morto e se acabou. Acabou a frescura semântica, mas não o significado social. A morte tem realmente um significado muito complexo entre os mexicanos.
As civilizações pré-hispânicas cultuavam inúmeros deuses, cada qual com seu “domínio” no mundo visível e no invisível. Mas uma coisa era comum entre todos eles: a morte. Vários deuses têm seu nascimento contado através da morte. Contraditório mas verdadeiro, a deusa Coyolxalhqui (clique aqui para ver a foto) é uma divindade totalmente esquartejada. Sacrifícios humanos eram tão comuns quanto os nascimentos entre aztecas e mayas. Depois da conquista espanhola a prática de sacrifícios cessou junto com a maioria dos ritos pré-hispânicos. Mas o imaginário do mexicano continuava povoado de morte. Dessa vez a sua própria morte nas mãos dos conquistadores, sob a espada, a fome e a igreja católica. Essa última por sinal, que não acredita que os mortos voltavam ao mundo dos vivos, foi abrigada a incorporar ou pelo menos tolerar esse culto dos mexicanos à morte como a mais importante ferramenta para a catequização indígena junto com a Virgem de Guadalupe. Tanto foi assim que o dia de mortos passou a ser festejado pelos mexicanos na data católica de finados, 2 de novembro, não era essa a data pré-hispânica.
Mas de onde vem essa maneira tão particular de comemorar o dia de mortos? Na minha singela opinião a grande diferença entre o jeito mexicano e festejar essa data e os demais vem de um simples fato: os mexicanos crêem realmente que os mortos vêm ao mundo dos vivos nesse dia. Ora, se eles vêm porque não recebê-los com festa, comida e baile? Aí repousa a grande diferença. Esse sentimento é realmente autêntico e verdadeiro na gente do México, independentemente de religião. A diferença dos espíritas kardecistas, que também crêem que os mortos vêm ao mundo dos vivos para escrever livros, fazer caridade ou assombração a qualquer dia ou hora. No México a volta dos que já foram tem dia e hora marcada e começa antes do dia 2 de novembro. Primeiro chegam os suicidas no dia 31 de outubro, depois vêm os niños no dia 1 seguidos de jovens, solteiros, casados com filhos, sem filhos e idosos, os últimos já na madrugada do dia 1 para o 2. Ademais, os mortos vêm visitar seus familiares e entes queridos e principalmente matar saudade dos prazeres mundanos como comer, fumar, beber, bailar e há quem diga até trepar. Então, suas famílias preparam um altar com fotos do morto, comidas e bebidas de seu agrado e flores amarelas que indicam o caminho do cemitério à casa. Caveiras de açúcar decoradas com os nomes dos mortos e dos vivos também ilustram as oferendas. Pães com motivos de ossos, doces que simbolizam órgãos vitais. Tudo que é referente à morte pode ser comido numa atitude de burla. Dança-se com a morte (através do morto), se como na mesa com a morte, decoram a casa com morte. Mas a morte tem cara de vida, usa chapéu, sombrero, bigode. A morte toca música, faz comida, usa roupa de vivo. Por todos os lados as caveiras são como pessoas felizes, tocando, comendo, dançando. Por todos os lados as pessoas estão com seus mortos, felizes por recebê-los em casa outra vez, de lembrá-los de dar-lhes de comer e também de chorar por eles. Na verdade somos caveiras ambulantes, seres efêmeros que voltarão para de onde vieram. A morte não escolhe mas recolhe, e recolhe a todos sem exceção. A morte significa vida, sem a morte nada existiria, nada seria. O tempo não correria a o mundo não giraria, pelo menos para nós humanos.
No México não há nada mais natural que a morte. Nessa hora até eu e Marina, céticos e ateus que não acreditam em almas ou coisas assim, esquecemos nossas filosofias e armamos nosso altar em casa pra receber a nossa querida Keka, tomar uma cerva com ela, fumar um cigarro e comer umas coisinhas que ela gostava. Vamos escutar a música que ela gostava e lembrar dela com alegria, e tenho certeza de que ela vem juntar-se a nós aqui e compartilhar esse bom momento com seus compadres.

La muerte se goza, baila y disfruta en México.

Monday, October 17, 2005

O Vento

Ontem me tocaste como o vento toca as árvores
Suave e profundo, chacoalhando folhas das ramas mais escondidas.
Aquelas folhas que a muito não sentiam o calor celeste
Foram salvas por teus dedos, que ao mesmo tempo eram consolo e fúria.
Podavas delicadamente ramas velhas com folhas secas castigadas de tempo e memórias
No mesmo instante em que despertavas ardentemente uma folhagem húmeda, oculta e medrosa.
E despertei como árvore velha, secular, acostumada aos sarrabulhos da ventania.
Renovada do mesmo verde que me alimentou por eras.
Contente do vento dos teus dedos, da tormenta de tua boca que livrou do morto de ontem e me encheu do vivo de hoje.

Para Marina.

Saturday, October 15, 2005

Peseros e Tacos



Há muitas coisas numa cidade que a traduzem. São essas particularidades as vezes nem tão particulares que cobran sentido para os habiantes de uma determinada urbe. Dentre muitas coisas que podem ser representativas da Cidade do México, duas me chamam muito a atenção. A primeira são os "peseros" os micro-ônibus daqui, que junto com as kombis e as carcaças velhas de ônibus da rede pública, são o principal meio de transporte dessa metrópole (depois vem o metrô). Num sistema de concessão pública, a micro-iniciativa privada pode entrar no negócio do transporte público, basta que tenhas o teu "pesero" e compres tua licença e ponha-lo a rodar por aí. Esse sistema tem vantagens e desvantagens. Dentre as desvantagens estão a falta de fiscalização e a corrupção que permeia a relação do Estado mexicano com as associações de "peseristas", que se assemelham muitíssimo a máfia das kombis que havia em Recife. O comportamento desses "peseros" na rua é de assutar. Param em fila dupla, tripla, quádrupla, fecham cruzamentos, correm muito, nunca fecham as portas, são extremamente mal conservados e desconfortáveis e as linhas deixam de circular quando os motoristas decidem que já não querem andar deixando muita gente na rua às 10:30 da noite. As vantagens são: a rapidez e a quantidade de "peseros" na rua. Nunca se pasa muito tempo esperando um ônibus aqui. A viagem é geralmente divertida, ao som de salsas, tecno ou músicas românticas, muitas vezes de Roberto Carlos cantando em espanhol. A decoração dos "peseros" é fantástica. Uns trazem flores no painel que também aloja uma imagem da Virgem de Guadalupe. As laterais do motorista são muitas vezes adornadas por adesivos de mulher pelada ou broches de marcas famosas. Aí dividem espaço com a carteira de motorista do dono do "pesero" colada no vidro, que nunca é o mesmo que está dirigindo. A breguisse mexicana tem um expoente de expressão nas decorações de desses veículos. Ademais, coisas impressionates para brasileiros têm lugar nesses ônibus, que quando estão superlotados a gente entra por trás e passa suas moedas com a passagem ao motorista, que também é cobrador. "Una hasta el Estadio Azteca por favor", grita um passageiro que entrou por trás enquanto suas moedas passam de mão em mão até o motorista, esse por sua parte, enquanto dirige, faz o cálculo da distância até o destino e devolve o troco que novamente regressa de mão em mão até o passageiro. Tenho certeza de que em Recife se umas moedas têm que passar de mão em mão de desconhecidos para chegar ao seu destino nunca chegariam, que dirá do troco. Todos os dias passo pelo menos uma hora e meia dentro dessas caixas de fósforo ambulantes.
A outra coisa que é uma tradução quase literal da Cidade do México são os famosos "tacos". Em quase cada esquina dessa cidade há uma barraca de tacos. É a legítima e verdadeira comida rápida do México, a "food" mais "fast" que existe na face da terra. Talvez por isso seja uma boa tradução dessa cidade que anda a rítmo de tormenta tropical (pra citar esses fenômenos famosos ultimamente). Os tacos consistem em duas tortilhas de milho (uns 10 cm de diâmetro) esquentadas numa chapa depois de molhadas numa mescla de gordura, ólheo e bactérias onde estão bioando a carne que lhes vai dar o recheio. Custam de 3 a 5 pesos em média, variando de acordo com o tamanho e a qualidade da carne, tripa, "pastor", "suadero" (também conhecido como "suda-perro", sua-cachorro em português), "chorizo". Tudo isso preparado em com as mãos, obviamente fica mais gostoso. São sagrados os tacos das sextas-feiras ou os de depois da "borrachera". A rapidez com que trabalham esses homens é inacreditável. Aqui na esquina de nossa casa tem um posto de tacos. Sempre lotado de gente num frenesí alimentício delirante. Animais famintos comendo com as mãos e melando-se de salsa picante, coentro e cebola. Inclusive eu. Peço minha ordem de tacos e em menos de 30 segundos tenha a mão meus cinco tacos de 3 sabores distintos, cobertos com cebola e coentro acompanhados de duas cebolinhas fritas e limão. São dezenas de passoas pedindo tacos em diversas apresentações e quantidades, para comer alí ou para levar e apenas 3 homens cuidam disso tudo preparando tacos de acordo com os pedidos, defumando seus corpos na gordura ebulente que emerge dos "comales" (uma espécie de panela gigante, rasa e com o fundo invertido que emerge da gordura onde flutua a carne alrredor). ^
Para o "chilango" habitante da cidade do méxico, a rapidez é fundamental, as pessoas não aguentam esparar por nada. Não esperam pelos "peseros" não esperam no semáforo, não esperam pra comer. Peseros sempre cheios de gente em pé, gente que come tacos em pé. São a cara da Cidade do México.

Thursday, October 06, 2005

A gente cresce... e ama o Santa Cruz

Eu confesso! Fui um torcedor fuleiro. Digo fui e explico.
Lembro muito bem da primeira vez que meu pai me levou ao Arruda em 86. Empatamos contra o Guarani em 1x1. Educação futebolística é coisa de pai e não me venham com essa conversinha de que fui influenciado e coisa e tal. Vi o Arruda lotado com a massa tricolor e aí pronto nascia outro tricolor.

Entre lembranças desconexas e coisas assim, lembro que estive na final do pernambucano de 90 no arruda quando ainda que sofrendo muito fomos campeões sobre a Coisa. Desde então fui por algumas vezes ao estádio, mas meu auge de assiduidade e paixão pelo Santa Cruz foi em 93, quando não perdí nenhum clássico e ainda fui para uns dois ou três contra o Central e Vitória. Nem é preciso lembrar como ganhamos aquele campeonato, esse fato já está escrito, gravado e incorporado ao imaginário popular. Uma lição de raça e vontade pra ser ensinada nas escolas como lição de vida.

Depois meu coração tricolor passou a ter outras paixões, veio a adolescência e a descoberta do mundo e isso tomou lugar no meu coração. Veio 95 e eu fui para alguns jogos mas nada muito séiro. Em seguida praticamente abandonei O Mais Querido, posso contar as vezes que fui ao estádio ainda que sempre saia do mundão com a sensação de ter participado de um grande espetáculo, o do futebol. Mas ele, O mais Querido, nunca me abandonou. Sentia pontadas no coração quando por ventura escutava um jogo, me alegrava quando ganhávamos e confesso que sofria calado quando o Santinha ia mal. O adesivo do escudo tricolor nunca saiu do meu quarto e diariamente o olhava e sentia que era tricolor de coração, porque simplesmente não conseguia ser indiferente àquele símbolo.

Mas pra mim é assim, as paixões desvairadas e sempre vieram e foram, mas algumas ficaram, em letargia, esperando que o amadurecimento e a vida as trouxessem a tona outra vez. Um dia me apaixonei pela minha mãe, segundo Freud assim nasce o amor entre mãe e filho. Primeiro ela era só minha, minha mãe, depois cresci e ela era minha castradora um fator de conflito e uma impositora. Depois cresci, amadureci, a compreendi e agora a amo com um sentimento muito mais real e livre. Assim foi também com minha esposa Marina, quando ainda éramos namorados nos amamos, brigamos, nos separamos, entrou em dormência. Depois ressurgiu, um sentimento maduro, são, seguro e compreensivo. Agora estamos colhendo o fruto do nosso amor, vai nascer outro tricolor.

Passei anos sem acompanhar o Santinha. Precisei sair do Brasil, vir pro México fazer meu doutorado e aos 27 anos, longe do Arruda, da massa tricolor ressurgiu minha paixão, meu amor pelo Santinha. E não é porque o Santa está bem agora não. Posso provar que não. Em 2004, pouquíssimo tempo antes de viajar, jogamos a famigerada final contra as Barbies. Eu estava afastado dos estádios e decidi não ir ao Arruda. Acordei esse dia me sentindo estranho, não pensava no Santa Cruz, fui ajudar minha esposa com um paciente seu. Então começou aquela coisa martelando minha cabeça: "Eu vou embora do Brasil por 4 anos e não vou ver o Santa jogar". Resultado, decidi ir ao jogo. Foi horrível a partida, mas sai me sentindo esplêndidamente bem. Não sei se foi porque vi a massa tricolor em festa antes do jogo, não sei se foi porque vi homens chorando feito crianças depois dele. O certo é que sai feliz e contente de torcer para uma equipe tão amada. Vim pro México em julho de 2004 e aí começou tudo, trouxe minha camisa velha, a usava em todos os lugares por onde viajávamos, tirei fotos, mandei até pro Coralnet na seção "tricolores pelo mundo". Acompanhei a agonia do Brasileirão desse ano e tudo mais. Já em 2005, estava eu no mato, numa estação biológica isolada, mas com internet satelital e escutei a partida pelo rádio transmitido online quando o Santa foi campeão por antecipação. E lá na mata no meio do nada do México, vestido com minha camisa tricolor sai pra conversar com os trabalhadores da estação e falar do Santa Cruz. Contra o Grêmio, estava como louco no laboratório escutando a partida e gritei gol altíssimo assustando a todos meus companheiros quando Xavier acertou o canhão no gol de Gallato.

Tenho certeza, minha paixão, meu amor pelo mais querido voltou com tudo, maduro, certo, incondicional e bonito.

Sunday, October 02, 2005

Memórias e Saudades do Recife (ou de mim mesmo)

Reza uma dessas sabedorias populares que às vezes temos que perder algo pra valorar.
Eu particularmente gosto dessas certezas universais que vêm do povo, me parecem traduzir algo que é comum pelo menos à maioria da humanidade, e se é comum a tanta gente é porque tem possibilidades estatisticamente significantes de traduzirem algo verdadeiro.
Uma vez resolvi que queria sair do Recife, dizia: essa cidade já deu o que tinha que dar. Estava cansado e entediado de ir ao Cinema da Fundação (“fundação” para os mais cabeçóides), de tomar uma na Cabidela do Baracho na CDU ou no Empório Sertanejo empestado de jornalistas inteligentes. Estudei metade da minha vida no Marista, andava por ali bebendo e comendo no beco da fome ou do vento, conheci todas as fedorentas ruas do centro nessa época. Isso sim eu adorava, conhecer e aprender os nomes das ruas do Recife. Escutava meu pai falando das ruas por onde passávamos no caminho de Santo Amaro até o 13 de maio e achava incrível que ele conhecesse tanto a cidade. Dizia que a Agamenon Magalhães era mangue e eu me maravilhava em imaginar uma avenida tão grande coberta de mangue e lama.
Quando só havia o “Shopping” Recife minha mãe ainda comprava roupas pra a gente lá na Rua das Calçadas e às vezes nos levava pra provar as roupas. O centro me parecia um lugar perigoso, sujo e feio. Morria de medo dos “trombadinhas” e não achava graça em pegar o 423 – Engenho do Meio às 6 da tarde lotado.
Ah, o Engenho do Meio, bairro de cornos segundo a crença popular (outra vez ela). Ali se decompuseram várias unhas perdidas em peladas nos terrenos baldios, se comemoraram várias janelas quebradas por acidente ou não. Esqueletos de lagartixas pendurados nos fios da “minha rua” Washington Luis e inocências perdidas a custa de muitos babaus e lágrimas formam lembranças reincidentes. O mundo fora do Engenho do Meio era ao mesmo tempo hostil e prometedor. Painho nos levava ao Poço da panela, à Casa Amarela, ao Sítio da Trindade. Ali vi meu pai dançando côco pela primeira vez e morri de vergonha apesar de ter me juntado a ele por alguns segundos depois de muita insistência.
Na minha adolescência a exposição de animais era esperada todo o ano de dia era pra ver bicho que sempre gostei e de noite pular o muro só pra dar emoção (o ingresso era muito barato) e assistir Zé Ramalho tocando, tomar duas cervejas porque não podia mais e voltar pra casa andando em bando era o máximo da independência. Mas também saía com meus amigos do Marista, todos revolucionários então, para tomar uma na Boa Vista, na Rua do Bom Jesus, quando essa ainda não era “chic”. Ali, nos afastávamos da “massa cocota” que andava pelo Recife antigo e íamos encher a cara, planejar a revolução comunista e filosofar antes de tomar banho de cueca no (antigo) Marco Zero.
Mas voltando ao assunto, eu queria sair do Recife e minha sorte é que nos últimos 3 anos de Recife, saia com freqüência para temporadas de trabalho de campo em Ibateguara, AL. Enfiava-me no mato por 5 ou 6 dias só pra sentir saudade e voltar ao Empório, à Fundação, ao Baracho... Ir ao centro com algum compromisso, sei lá qual, e passar horas caminhando pelo bairro de Santo Antônio entrar no mercado de São José e sentir cheiro de peixe, ver as lojas de produtos de macumba e pensar: Que louco isso aqui!. Comprava cigarro a retalho, tomava um caldo-de-cana e ficava ali de espectador olhando o movimento dos recifenses, gente banguela, camisas desabotoadas no umbigo, galegos barbudos de olhos verdes com cara de tabacudo. Sempre demorava no centro, voltava caminhando ao terminal do 423 - Engenho do Meio (não sei porque tenho fixação por esse número) que fica na Guararapes (eu gosto de chama-la Gottan Citty) comprava um picolé e ia pra casa contando as funerárias da Caxangá.
Agora moro na maior cidade do mundo a Ciudad de México, e por mais que esteja adorando viver aqui e descobrir coisas muito interessantes que já começam a fazer parte de mim, ainda lembro dos rios, das pontes, da catinga das ruas, do Cabeça de Touro, das conversas com o vigia e sinto saudade. Aqui tem catinga nas ruas, tem mercados e camelôs que vendem discos piratas, tem kombeiros legalizados que andam a 180/h e esculhambam o trânsito, têm feira na minha rua 3 vezes por semana com gente louca gritando “verdura de a peso”. Tem poetas nas ruas recitando e pedindo uma “intera” pra qualquer coisa, têm bairro pobre e bairro rico, tem gente feia, banguela e com camisa desabotoada no umbigo, tem até galego barbudo com cara de tabacudo. Se os mexicanos se esforçam transformam essa megalópole em um Recifão, com mundão e tudo o estádio Azteca. Mas falta a memória de pertencer e isso só tenho no Recife. Isso faz do México algo para descobrir, desfrutar, padecer e ir. Ir ao recife e contar tudo aos meus amigos revolucionários numa cachaça no Baracho. Agora que momentaneamente o perdi, dou mais valor ao Recife.

Saturday, October 01, 2005

Justiça para o Futebol

Mais uma vez o futebol nordestino é prejudicado na fase final de um campeonato. Não gosto de acreditar em teoria da conspiração, mas vender jogos está em voga no Brasil. Admito que o Santa não fez a sua melhor partida, perdeu gols, errou passes e marcou mal. Mas o Grêmio ganhou por 2x0 a pulso, ainda que pareça extranho dizer que um resultado de 2x0 é a pulso. Mas foi, o Grêmio ganhou esse jogo na raça e com 2 a mais, um no campo e outro nas arquibancadas. Justamente quando o Santa Cruz estava reagindo no jogo, tocando a bola e mordendo, o infâme árbitro expulsou uma peça chave do efetivo tricolor do Recife num erro absurdo de interpretação. Mais uma vez o Grêmio está na segunda divisão e o clube dos 13 faz de tudo pra mandá-lo de volta à primeira, como fizeram quando mandaram 12 de uma vez à primeira divisão. Não eximo o Grêmio de mérito nesse jogo, mas derramo minha ira sobre a recorrente prática de dar uma mãozinha aos times do sul pra sair da segunda. Não dá mais!!!!! Justiça para o Futebol!!!!