Sunday, October 28, 2007

Reflexõs ocasionais

Conhecer um pouco da língua espanhola tem me conduzido por um mundo desconhecido. Eduardo Galeano, por exemplo, a quem eu já tinha lido nos meus 16 anos e que me levou de viagem pelas veias abertas do nosso continente, voltei a encontrar agora em sua língua natal. Aquela América que conheci por ele, falava um idioma que me soava algo sensual mas também patético, pois era coisa de la garantía soy yo, era um idioma meio... "paraguaio". Voltei a ler Galeano em duas ocasiões aqui no México. A primeira, uma coleção de crônicas sobre futebol cuja edição que possuo traz ao time do Santa Cruz retratado ao estilo bonecos de barro. El fútbol a sol y sombra é a meneira de um uruguaio ver esse tão maravilhoso esporte. As crônicas são embebidas de uma maneira muito peculiar de pensar de Galeano. Ele atribui a nós latinoamericanos a criação do futebol esporte, já que esse antes era jogo de bárbaros ingleses que até canivete levavam ao campo. Afirma que foram os negros do Brasil e os guaranís da Bacia do Prata que deram ao futebol a magia e a alegria que até há pouco tempo caracterizava o futebol sul-americano. Dessa maneira, Galeano afirma novamente a importância do latino modo de ser.
Agora estou lendo Memoria del Fuego (vol. 1) que é uma história alternativa da América, segundo palavras do próprio autor. Numa poética e ampla narrativa em forma de micro contos, Galeano reproduz personagens e histórias de ambos lados do frente de batalha pela conquista da América. Somos a mesma ferida aberta. Por culpa de Eduardo Galeano a latinidade ideologizada e intelectualizada se meteu na minha cabeça. Agora com um pouco do espanhol dominado, com Cem anos de solidão e Don Quixote na fila de leituras em espanhol, começo a entender um pouco mais dos nossos vizinhos, começo a entender de verdade que significaria esse sonho realizado de uma América unida. Essa alma de Quixote é nossa de berço, assim como o ingenioso hidalgo, fazemos de cada derrota, uma épica vitória .

Saturday, October 20, 2007

Caçada

Pequei! Atuei contra minha religião. Ontem a convite de Raymundo saí para caçar.
"Mas que diabos faz um biólogo caçando?" Pensei. Foi irresistível o convite para sair em canoa, atravessar o rio Hondo até Belize, remar mais de uma hora debaixo do sol escaldante das duas da tarde, passar por pastagens naturais inundadas pelo crescido rio, ver aves aquáticas, selvas inundadas, uma mistura de pantanal com amazônia em pleno Caribe. Tudo isso pra caçar um veado. Assim foi. Chegamos a uma ilha de floresta rodeada por pastos inundados por mais de 1m de água que se transbordou das margens desse estreito mas farto rio que divide México de Belize cujo curso segue uma falha geológica que gerou também lagoas por toda essa zona. Eu como bom branquelo, amarelo, leitoso, já estava com os braços rosados, resultado do forte sol. Mais um motivo para Raymundo passar mais de meia hora fazendo das suas piadas sobre minha suposta origem "gringa". Ah, conosco ia também Estéban, compadre de Raymundo e seu dois cachorros: Bombero, de meia língua, depois que um facão acidentalmente usado cortou a metade; e Shaggy, em homenagem a um cantor de Reggeaton que tanto lhe agrada. Dois autênticos vira-latas puro sangue. Estéban é um homem muito supersticioso, me contou que uma vez um jacaré lhe mordei a cabeça, nada grave porém só sarou completamente depois que ele matou o dito cujo e o comeu. Estéban e eu íamos debatendo sobre a eficiência do seu método para limpar narizes de cachorro que consistia em passá-los por baixo da canoa 9 vezes para que espirraram todo o catarro depois de engolir muita água pelos narizes. Raymundo só ria, e remava, numa postura muito confiante como se observara a dois meninos discutirem sobre assuntos sem importância. Enfim chegamos à ilha de floresta. Estéban desceu da canoa com água pelos peitos e seus dois cachorros o seguiam meio nadando meio escalando as cortantes folhas de capim-tiririca. Raymundo e eu, remamos de volta ao lugar que segundo seu faro de caçador seria por onde os veados iam passar nadando depois de espantados pelos cachorros. Eu confesso que até gostei da idéia de ficar esperando os bichos na canoa, pois andar pela ilha de floresta todo molhado, seguindo vira-latas entre milhares de troncos caídos como resultado do furacão Dean era um tanto sofrível.
Pois saímos para dar volta ao lugar previsto por Raymundo como passagem de veado. Pensei: "será possível que esse danado possa prever por onde vão sair os veados?" Mal terminei de pensar essa bobagem quando vejo um veado nadando a escassos 20 metros da nossa canoa. Gritei como um desesperado apontando o bicho que Raymundo ainda não tinha divisado. Um parênteses: esse foi meu maior orgulho, tê-lo visto antes de meu amigo, que só não o veria um segundo depois se fosse cego, mas foi meu orgulho. Raymundo se levanta na canoa, me ordena parar de remar e dispara, falhou, não acertou o bicho que agora parecia correr sobre a água. Raymundo volta a sentar-se e me grita: rema Felipe, rema porra, rema caralho, não pare de remar, mais forte porra! Eu parecia um motor de 200 cavalos, remando e vendo que aos poucos íamos alcançando o bicho que já quase chagava num mangue onde poderia salvar sua vida de tão impenetrável que eram as raízes. Nesse momento o veado deu meia volta e começou a nadar na direção contrária. Foi perfeito, Raymundo mandou-me parar de remar, a canoa foi se acalmando e ele se levantou novamente disparando um certeiro tiro na cabeça do animal que aí mesmo ficou boiando e sangrando. Eu gritei como um índio de faroeste, feliz da vida subi o animal à canoa. Nessa hora me dei conta do sucedido, da emoção da perseguição, do esforço físico, da satisfação de caçar. Me lembrei de uma sensação parecida que sentia ao caçar passarinho, ao pescar no Pontal de Maracaípe por horas seguidas, de matar gatos à badocadas em Maceió na casa de minha Tia Nice. Tive muitas horas mais para pensar num monte de coisas, pois ficamos esperando que saísse outro veado nesse lugar de água e selva. Pensei no que nos une aos primeiros hominídeos, pensei na nossa natureza humana. Mais além da questão da conservação da natureza... pensei nos nossos hábitos modernos, nos supermercados, no fast-food, na comida maravilhosa que desfrutei nos restaurantes. Pensei que comer passou a ser só comer, que quase não se cozinha e se sim, com tantas facilidades que nem sentimos. Plantar, caçar, só em aventuras ou como terapia ocupacional. Pensei que Chico provavelmente não caçará passarinhos, nem lagartixas. Não por ser politicamente incorreto, mas porque em 10 anos seremos quase 9 bilhões de seres humanos na terra e que qualquer passarinho ou veado fará a diferença. Pensei que Raymundo caçaria o veado comigo ou sem mim com tem feito toda sua vida pra ver se aliviava a culpa que não sentia. Pensei que pelo menos plantar deveria ser matéria obrigatória na escola, que todos deveríamos conhecer no mínimo o que significa produzir alimentos. E... depois de tudo isso, comi um caldo de veado maravilhoso.

Wednesday, October 17, 2007

Poema

As mulheres de cabelo curto
são como meninas em traje de lobas.
São uma espécie de quimera andrógina
cujo sexo está no pescoço, orelhas, nuca...
tudo exposto.
Graças ao des-manto de cabelos.