Wednesday, May 16, 2007

O Medo

O medo, esse vento que sopra forte. Lembro-me de alguns os meus medos, de como eles se manifestavam, de como eles mudavam, de como desapareciam de repente. Quando criança, acampando em Maracaípe, tinha medo das ondas do mar quando estavam muito fortes. Levei alguns sarrabulhos meio violentos, desses que nem sabia onde era encima nem embaixo. Mas curiosamente nunca desisti de entrar no mar com ondas, surfava com minha pranchinha. Não era o caso de que já não tinha medo, ele por vezes vinha, eu o sentia forte. Mas dependia de mim. A escolha era fácil, entrar no mar ou não, sem muitas conseqüências de qualquer decisão que tomasse.

O medo atualmente mais freqüente é o de dar rumo a minha vida. Que coisa difícil essa de ser responsável de si! Porra, com 20 e poucos anos eu às vezes queria estar empregado numa empresa qualquer, que me dessem ordens, que eu não fosse responsável de mais nada além de chegar na hora ao trabalho. Às vezes invejo quem ainda vive com os pais, que tem casa, comida, um quarto. Sim um quarto, esse mundinho que de tão pequeno é tão fácil controlar. Porra, pra que fui inventar de estudar biologia, de seguir carreira de cientista, de estudar infinitamente, de pensar sozinho, de não receber nem dar ordens. Por quê caralho fui sair do meus país, da comodidade dos amigos, da família, do Recife, fedorento útero onde facilmente me escondia? Ai, ai, que saudade de não ser responsável por quase nada.

Mas inevitavelmente eu estou aqui, no outro hemisfério, na outra América, ao norte da vida. Em poucos anos, eu estou casado, com um filho, fazendo um doutorado de maneira quase autodidata. Hoje acordei com medo, reconheço. Estou de saída ao campo para 16 dias de trabalho. Coletar dados de um projeto que eu pensei só, consegui financiar só, dados que terei que digerir só, escrever só. Queria agora voltar à escola, fazer o dever-de-casa e passar de ano, sem mais.

Mas a vida às vezes é “cabrona” e a oportunidade que estar aqui, no México, me exige que eu cresça rápido, sim rápido, muito rápido. Um projeto de doutorado parido sem parteira, e que cresceu sem mãe, de repente quer crescer e rápido, como tudo aqui pra mim. Falta pouco mais de um ano de bolsa, uma tese inteira que escrever, alguns dados que coletar, muitas coisas que ler e aprender. Isso me dá medo, medo de não resultar como eu imaginava. Sinto-me como uma mãe adolescente, que quando grávida até causava inveja entre suas amigas pela barriga linda, pela vida que gerava tão cedo, por ser mulher precocemente. Mas logo que nasce o rebento, sente o peso de ter sido mãe tão cedo e inveja as amigas porque apenas começaram a beijar na boca. Começo a pensar, se eu tivesse feito daquela tal maneira, teria sido melhor, blá, blá, blá. O medo é como um dedo naquela ferida velha e incurável de ser só, essa condição inevitável e por vezes até indesejável.

Meu único consolo frente a essa condição é, paradoxalmente, o de descobrir as coisas da vida e de um doutorado, por mim, só. É dessa batalha comigo mesmo que me alimento todos os dias. Só mesmo sendo psicólogo pra entender isso, e olhe lá. Sei que esse medo, que acho que no fundo é de mim mesmo, vem, vai embora e vai voltar novamente. Mas quando penso que me acostumei com isso, errado. O medo às vezes sopra forte na minha cara e não me acostumo.

Thursday, May 10, 2007

Papa merda


Cinco dias no Brasil, 5 dias da presença de um chefe de estado no Brasil, uma longa semana de cobertura exaustiva e insuportável da mídia cristã brasileira para encher o saca até dos mais cristãos. As manchetes são distorcidas propositalmente: "Lula não falou de aborto com o Papa". Porque não pensaram uma manchete assim: Lula e o Papa falam sobre a importência da família e apoio à juventude. Esses sim foram temas da conversa ,mas porque será que a mídia dá tanta importância ao não discutido? Esse comportamento é a expressão da preocupação das direitas católicas com o ocorrido aqui no México, que ao depenalizar o aborto abre um precedente imenso na grande e católica América Latina. Cada vez mais me convenço do papel da nefasta igreja apostólica romana no nosso continente.
¡COMA MIERDA PAPA!

Tuesday, May 08, 2007

Encuerados en plaza pública


Spencer Tunick esteve no México e tirou a roupa de 20 mil mexicanos em plena praça do Zócalo onde antes era a esplanada azteca. Nem nesses tempos se viu tanta gente com os documentos à mostra. Ter que chegar às 4:30 da manhã e não ter com quem deixar Chico nos impediu de ir, até já nos havíamos inscrito. Que inveja!

Saturday, May 05, 2007

Aborto no México


O México é seguramente um país conservador, oprimido pelas convenções servis impostas pelos conquistadores e pelo controle moral da igreja católica. A opressão à latinidade, assim como a concebo, se percebe facilmente no modo de vestir do mexicano, por exemplo. Agora que faz 30 graus aqui a 2200m de altitude, ainda assim os mexicanos capitalinos se cobrem, usam casaco. As janelas continuam fechadas, como de costume. Ponha um mexicano numa roda com outros latinos e vão ver como uma fera aprisionada se solta. Ponha esse mesmo mexicano entre outros mexicanos e observe que dizer 'xoxota' causa crises de um riso envergonhado. A igreja, a 'virgencita', anos a fio de governos direitistas e conservadores aprisionaram um povo.
Paradoxalmente, o parlamento do Distrito Federal (Cidade do México), que é de maioria de esquerda, acaba de aprovar a despenalização do aborto. Não vale para todo o país, só para o DF. Federalismo, pois. Em meio a protestos desesperados da corja católica que protege pederastas, o parlamento disse sim a um direito básico, o de ter poder sobre seu próprio corpo. A igreja disse que vai excomungar o governador e deputados que votaram a favor da lei. O Vaticano esbravejou, mas calou-se ante à sociedade mexicana que cobrou sua auto-gestão e rejeitou a ingerência de Roma. Ano passado, esse mesmo parlamento aprovou a união civil que inclui casais homossexuais. A Cidade de México portanto dá um exemplo de coragem e de vontade de construção de uma nova sociedade, respeitosa dos direitos individuais.
Enquanto no Brasil, o país mais sensual do mundo, onde as mulheres são liberais, gostosas e donas dos seus corpos... ??
Parabéns à Cidade do México, onde apesar de tudo, me orgulho de viver.

Tuesday, April 17, 2007

Na Costa Rica




Lembro bem dos primeiros artigos e livros texto que li sobre ecologia de florestas tropicais há alguns anos. Muitos faziam reiteradas referências a trabalhos realizados numa das mais famosas estações de biologia tropical das Américas e do mundo, La Selva, na Costa Rica. De fato, a estação biológica de La Selva, que pertence a OET (Organização para Estudos Tropicais), tem mais de 40 anos funcionando em uma reserva de mais ou menos 1500ha. Nesse lugar, muitos pesquisadores mitológicos em ecologia tropical botaram seus pés. A estação é um lugar lindíssimo, rios, matas exuberantes e fauna, muuuuita fauna. Trabalhar aqui é uma maravilha, refeitório com comida de primeira, cabines de alojamento com todo o conforto necessário para uma vida cômoda. Trilhas pavimentadas, árvores georreferenciados, imagens de satélite, mapas de solo, vegetação e rios detalhadíssimos. Tem mais, laboratórios com balanças de precisão, máquinas de PCR (para análises genéticas), herbário, coleção zoológica, biblioteca, bancop de imágens de plantas e algumas outras coisas mais que ainda nem conheci. Obviamente o preço para usar tudo isso não é dos mais amistosos, 29 USD por dia. Mas com tudo isso e 3 refeiçõesaté que não é tão caro. Claro, pra quem se acostumou a comer charque com feijão e andar por trilhas feitas a própio punho pelas matas de Alagoas isso é luxo. Mas foi à partir daí que percebi a distância que nos separa dos gringos em termos de recursos para fazer ciência. Durante minha estadia aqui em La Selva conheci a muitos estudantes gringos realizando diversos trabalhos desde teses de graduação, mestrado e doutorado. Inclusive gringos que vieram à La Selva para pensar sobre sua vida e o que vão fazer como projetos. Claro, para eles não é tão pesado tomar um avião à Costa Rica e passar 3 mêses em La Selva coletando dados e gastar 5000 USD de uma sentada. Estudar ecolocalização dos morcegos com gravadores de 20.000 USD, seleção sexual de aves de sub-bosque pintado as bichinhas de amarelo e medindo variações na cor original com um medidor que mais parece uma coisa espacial. Mapear 50ha de floresta e realizar sensos mensais para saber que morre, que nasce, quanto cresce, etc. Isso é fantástico. Mas caro, muito caro.
Mas é também daqui da Costa Rica que vem um dos melhores exemplos de como se pode fazer boa ciência de qualidade com uma livreta de campo, trena e lápis. Daniel Janzen, um gringo adotado pela Costa Rica que vive num parque nacional (Guanacaste) e que há 40 anos vem perturbando os ecólogos com suas teorias e hipótesis que todo mundo quer testar. Daniel Janzen boa parte de seu trabalho com uma livreta de campo, lápis, trena um excelente conhecimento de históiria natural das espécies e muita criatividade. Bom, esses elementos são definitivamente imprescindíveis para a boa ciência. Se aliamos a isso uma boa quantidade de recursos, melhor ainda. Mas sem dúvida o diferencial está na parte que é acessível à todos.
Outros exemplos de vida e de compormisso com a biologia estão por todos lados na Costa Rica, um país que vive do turismo que é atraído pela sua flora e fauna conservada e muito bem administrada em um eficiênte sistema de parques nacionais. Claro, Costa Rica é um país com 4 milhões de habitantes, uma área do tamanho de Sergipe, cheio de montanhas e vulcões. Todos dizem que nessas circunstâncias é fácil conservar a biodiversidade e proteger por lei 25% do país em parques. Isso é certo. Mas essa afirmação não nos ajuda em nada, na verdade, Costa Rica dá um exemplo de que as soluções existem, que eles encontraram as suas. A principal lição que estou aprendendo aqui é que conservar é preciso, possível e prazeiroso. E que a ciência para a conservação é uma das melhores maneiras de fazê-lo.

Em breve mais sobre Costa Rica.

Tuesday, March 27, 2007

Dicussões sobre discussões

Esse negócio de Orkut é realmente uma lenga-lenga sem limites. Eu estou numa “comunidade” de brasileiros que moram no México, não sei nem por que. Aqui no México só temos uma amiga brasileira, amizade sincera, mas que demorou para que nós aceitássemos. Bom, de vez em quando dou uma fuçada nessa comunidade para ver alguma coisa, no geral só tem gente falando merda, chamando pra festa de brasileiros (que é uma merda) ou pedindo informação sobre o México. Mas tem um cidadão que resolveu soltar os cachorros dele e constantemente tem colocados coisas ofensivas ao México, às mulheres brasileiras que estão no México, clona perfis dos outros, fala uma coisa, diz outra, dá uma de esquizofrênico. As pessoas da comunidade entram na onda dele e começam... “Esse cara é um babaca, fala mal do país que dá de comer pra ele” “é um imbecil”, bla, blá, blá. Verdade que ele usa palavras nada educadas e fala um monte de merdas. É um mauricinho gaúcho que veio pro México representando uma empresa multinacional, ganha bem e pelos seus próprios depoimentos, teve uma vida de mauricinho no Brasil e se vangloriava de acabar um carro por semana fazendo farra. Um babaca!
Mas uma coisa é interessante nesse mar de imbecilidades. O babaca fala coisas que no fundo todo brasileiro pensa sobre o México. Que o México tem maus serviços, que o transporte público é uma merda, que as coisas são caras, que é violento...Lembro muito bem que quando fomos a um maldito churrasco de brasileiros aqui, foi só isso que eu ouvi, queixas e mais queixas, além de pagode e axé até quase ter convulsões. E pior, a maioria desses queixosos eram gente que ganhava bom dinheiro aqui, moravam em bairros ricos e não utilizavam quase nunca o serviço de transporte público. No final das contas quase nenhum brasileiro está aqui por opção.
O importante desse fato é o porquê desse pensamento. É normal que na condição de estrangeiro comecemos a comparar coisas entre nossa terra natal e o lugar atual onde vivemos. Confesso que passamos por isso aqui no México, depois do deslumbramento com o novo vêm as comparações. Mas passa. Logo nos acostumamos às idiossincrasias mexicanas e as críticas são feitas como também fazemos ao Brasil. Tudo na Europa e gringolândia é fantástico, limpo, organizado, o povo é bonito. Todos os brasileiros estão dispostos a comer o pão que o diabo amassou em qualquer desses lugares ainda que seja discriminado e tratado como merda. Tudo pela sensação de estar no primeiro mundo. Para usufruir de bons serviços, de eletro-eletrônicos baratos, de gente loira, de olhos azuis.
Meu cunhado Daniel que agora se encontra estrangeiro na Holanda comentou algo interessante sobre isso. Usando uma citação que não recordo disse: ’O homem que acha a sua pátria agradável não passa de um jovem principiante; aquele para quem todo solo é como o seu próprio já está forte; mas só é perfeito aquele para quem o mundo inteiro é como um país estrangeiro’

Thursday, January 04, 2007

Ditados mexicanos... e mundiais

Sempre gostei dos ditados quando esses são bem aplicados. Aqui no México é muito comum que se use ditados pra ilustrar situações em que as vezes se encaixam e nos ensinam coisas importantes. A ver...

"Si el río suena es porque água trae"
(Onde há fumaça há fogo)
"Lo pero es nada"
(É melhor que nada)
"El pendejo es pendejo a su favor"
(Idiotas são idiotas a seu favor)
"Estás como los frijoles: al primer hervor se arrugan".
(Covardes que se cagam de medo com a primeira pressão)
"Comes frijoles y eructas jamón"
(Referindo-se às pessoas pobres de origem e prepotentres)
"Para dejar el pellejo, lo mismo es hoy que mañana".
(Se vás morrer, que importa o momento?)
"No vengo porque puedo, sino porque puedo vengo"
(Corajosos)
"En la boca del mentiroso lo cierto se hace dudoso".
(Não precisa tradução)
"Están a darnos atole con el dedo"
(Manter às pessoas quietas dando-lhes um pouquinho de ajuda, ainda que possas dar mais. Alguma semelhança com as políticas sociais do Brasil não é mera coincidência)
"A palabras de borracho, oídos de cantinero."
(Graçón, aqui nessa mesa de bar...)
"No comer por no cagar es dos veces ahorrar."
(Não comer para não cagar es duas vezes poupar. Pirangueiro)

E uma infidade mais de ditados que se usa coloquialmente entre mexicanos.

Monday, May 22, 2006

Popocatepetl y Iztacihuatl


Vejam que coisa linda! Essa eu tirei do avião

Sunday, May 07, 2006

...É deliciosa a inocência do instinto
Mas o tempo e os modos nos distanciam do silvestre
Vejam a cara de felicidade de uma criança
Depois de fazer um cocô bem grande...

Friday, May 05, 2006

Os urubús se manifestam no Brasil


É repugnante a cobertura da grande mídia sobre a estatização dos recursos naturais na Bolívia. Evo Morales fez uma coisa que o Brasil e os outros países da América Latina já tinham feito há muito tempo. Passou o controle da exploração do sub-solo boliviano para as mãos do estado boliviano. Pra quem não sabe a Petrobras tem o monopólio da exração do petróleo brasileiro e os estado brasileiro tem o monopólio da exploração do sub-solo. Por medida de concessões, o Brasil concede o direito a qualquer empresa de explorar o sub-solo da nossa nação. Ainda assim somos surrupiados, enganados e damos lucros extratosféricos à Vale do Rio Doce e etc. Foi exatamente isso que Evo Morales fez.
"Guerra do gás" é o termo mais usado pela Globo ao referir-se à decisão de Evo. Chamam o governo brasileiro a defender os interesses da nação (entenda-se nação a Petrobras e seu acionistas privados) frente ao governo boliviano. Chamam de equivocada a estratégia de diplomática de Lula, que reconheceu a legitimidade da decisão de Evo. Enfim, as elites brasileiras e o poder econômico estão na verdade extremamente incômodos em ver o povo boliviano tomar conta de seus recursos naturais. Como urubús, a elite brasileira dá mais uma vez uma mostra de sadismo ao questionar o caminho para a libertação da Bolívia. Preferem ter aos vezinhos na merda para que não nos represente nenhuma ameaça. É a lógica capitalista mais cruel, as elites ficam apavoradas quando algém, sobretudo um vizinho "menor" consegue tirar o nariz da merda. É uma vergonha ver a grande mídia brasileira se contorcer de raiva porque a Bolívia agora tem um presidente que pensa nos bolivianos e não nas empresas petroleras.
Como eu posso crer no liberalismo então?

Monday, May 01, 2006

Da nascente de um rio

Era dia, 11 horas
Depois de muitas horas de anunciação
De muitas semanas de imaginação
Brotaste como uma nascente de água.

Vinheste sem medo, sem ira.
Sereno como se acordasse agora
Como se já soubesses do rio o destino
Do homem que ama a missão.

Nesse dia, fosses meu navegante
Quiz ser também rio, levar-te entre margens
Inundar as margens, mostra-te quão calma e poderosa
É a força das águas contidas no curso.

Calma! haverá tempo, haverá, serás rio
Serás curso, aprenderás a deixar as margens de lado
E fertilizar as esperanças do único objetivo de um rio
Saltar-se por sobre as margens, desembocar na vida.

Friday, April 28, 2006

Hoje chegam Marina e Chico.
Passei o dia limpando a casa, num frenesi maníaco compusivo de arrumação. Desde ontem que não penso em outra coisa. Novamente ter a minha companheira comigo aqui em casa, ter meu filho botando cheiro de nenên na casa. Ah, que delícia! Estive alguns dias no campo, alguns dias sozinho. Sim só, porque ainda que eu tenha minhas companhias por lá, que nunca me deixam sentir-me isolado, eu estava só. E quando estou só me passa algo muito curioso. Começo a descobrir coisas extranhas em mim, que meu ritmo é diferente e meio desordenado quando não tenho a Marina por perto. Mas não é toda vez que isso acontece, já morei só, gosto de ficar só em casa às vezes, e nem sempre tenho essa sensação de que minha vida está...oca. Sim, estou acostumado a ausentar-me de minha casa, de separar-me de Marina a trabalho. E quase sempre é bom, saudável, nos dá saudade um do outro, nos livramos das idiosicrasias um do outro e nos reencontramos e reenamoramos quando nos juntamos de novo. Mas dessa vez eu sinto que busco algo, que arrumo a casa e não está bem, que abro as portas dos armários várias vezes sem aparente motivo, que não consigo me concentrar em coisas muito complexas. Já sei, é saudades das grandes mesmo, da minha mulher e do meu filho.
Vou me embora pro aeroporto buscá-los.

Friday, April 21, 2006

Trela de caçador


Mais um dia de campo ao lado de Raymundo. Figura! Já falei de Raymundo num texto anterior, das suas qualidades de caçador, de sua personalidade de caçador. Pois hoje esse sujeito aprontou uma trela das mais engraçadas. Estávamos num fragmento pequenino, uns 3 ha de área numa época seca de árvores sem folhas, muita escassez de água e comida para a fauna. Separamos-nos a pedido meu para agilizar o trabalho, mas nem precisaria mesmo, Raymundo sempre me deixa pra trás o pra frente no mato, nunca anda ao meu lado, nunca conversa muito a não ser que me veja meio cabisbaixo por uma saudade qualquer.
A floresta estava realmente seca, mudada de cara, de roupa, parecia outra floresta, o sol tropical inclemente das 11:00 am nos castigava cruzando os galhos nus das árvores, pouquíssimos frutos haviam. De repente chega Raymundo ao meu lado depois de ouvir uns gritos meus, lhe chamava para que me ajudasse a encontrar parte dos meus experimentos que se haviam ocultado misteriosamente sob meus olhos enganados pela selva sem roupa.
- Raymundo, deixa-me pegar umas coisas aí na bolsa que levas contigo.-
Ele abre a bolsa e vejo uma coisa como uma galinha depenada dentro
- Que é isso aí dentro Raymundo?-
Era uma Chachalaca, ou Jacu em bom tupy. Uma espécie de galinha selvagem, na verdade um pouco menor mas suficiente para alimentar duas pessoas.
Ele me olhou com uma cara de menino treloso e começou a rir.
-Pensei que não ias reconhecer a Chachalaca depenada-
-Como não Raymundo? Mas como mataste esse bicho?-
O danado não levava seu rifle quando andava comigo. Isso porque eu lhe pedi que não caçasse pelo menos nos lugares onde eu tenho meus experimentos. Então ele me mostra a arma do crime... um bodoque! Um bodoque desses que eu usava lá no Engenho do Meio pra matar pardais e lagartixas. O danado matou esse bicho de uma única pedrada na cabeça e o depenou em menos de 15 minutos (tempo que estivemos separados).
- Eu nem queria Felipe, mas ele se atravessou no meu caminho e como eu trazia o bodoque dei-lhe um tiro. Ele estava pedindo pra morrer.-
Comemos a Chachalaca assada na brasa na sua casa, acompanhada, claro, de umas cervejas bem geladas.

Friday, April 07, 2006

À Francisco

Francisco, Chico
Filho da poesia da carne, da metáfora da carne
Afinal o amor é poesia, fazer amor é poesia
Amar desmedidamente é verso há muito conhecido.

Mas é mais que verso a carne
A carne é vida que veio da poesia
É a melhor metáfora do verso
É materialização da poesia

Já veio pronto, carne e espírito
Afirmando a unidade do que nunca se dividiu
Carne e espírito, poesia e verso
-Vida plena meu filho-

Saturday, January 14, 2006

La poesía me da dosis extras de vida
Me acerca a lo más crudo y debil de la carne
Los sueños muertos y los por nacer se hacen carne en la soledad de la poesía.
Los siento a todos muy adentro, tan adentro que no los puedo ser
No puedo ser lo que quisiera, no soy lo que pensaba.
Soy solo lo que brota, lo que fluye por mis venas
Tan complejo y la vez tan evidente que me asusta de muerte
Entonces escribo, hiriéndome de muerte en un suicidio
Y revuelvo todo para fuera, la sangre para fuera, las lágrimas para fuera
Lo que brota y lo que fluye se me aparece y pierde el sentido y el misterio
Pierde la poesía, pierde la carne, pierde el movimiento.
Así me convenzo de mí
De mi carne, de mi naturaleza cruda, incógnita y debil
Necesito esa lucidez carnal, el instinto del auto-preservación
Pero más aún necesito el atentado poético de herirme y luego salvarme.

Saturday, November 26, 2005

Diário de Campo 25/11/05

Escuto histórias e estórias
Com distintos sotaques de diferentes línguas
Quanto mais ando mais reconheço a minha própria espécie
Não preciso andar o mundo para saber-me humano
Mas quanto quisera faze-lo!

Diario de Campo 22/11/05

São 6:00 da manhã, e o friozinho do sereno me impede de deixar a rede e o saco de dormir que me cobre. Penso num monte de coisas ao mesmo tempo, as tarefas do dia, o nome do meu filho, o décimo sono no qual Marina deve estar imersa lá no México, quantos minutos mais posso dormir sem que me atrase para o meu encontro com Don Raimundo. Obviamente de tanto pensar e calcular minutos de cochilo me levanto às 6:48 num sopetão acrobático e em menos de 10 minutos estou dentro do carro esperando Don Raimundo, o “mateiro” que me ajuda aqui.
Ainda me falta tomar o café da manhã com Doña Chona, uma simpaticíssima senhora que cozinha meu café e almoço diariamente. Umas tortilhas, banana, ovo com pimenta e feijão. Infelizmente não tenho tempo de desfrutar esse café com mais calma. De qualquer forma falo algumas besteiras só pra arrancar umas gargalhadas de Dona Chona, adoro sua risada e quem não gosta de sair pra trabalhar depois de presenciar um bom sorriso. Don Raimundo é um típico mexicano do campo, baixinho barrigudo, de fala rápida mas pouca. É caçador por natureza, anda calado e atento, sobretudo anda só. A impressão que tenho é que qualquer companhia o molesta. Um dia de noite enquanto eu perdia no xadrez pra seu filho de 15 anos ele me diz:”...eu durmo aqui fora da casa muitas vezes.” Mas por que Don Raimundo se você tem uma cama e esposa? E ele me reponde seco: “O caçador é assim mesmo Felipe, está sempre só”. Talvez por isso quando andamos juntos pelo mato, fazendo trilhas, ele sai disparado na frente e quando estamos voltando pela trilha que fizemos, 1 km ou mais, ele vem atrás, bem atrás, só. É arisco mas amável ao mesmo tempo, todos os dias me convida pra jantar e faz questão que eu coma do peixe que ele pescou. Seu maior orgulho são seus filhos dois adolescentes, o menino de 15 anos é bastante bom no xadrez e em matemática e jogamos todas as tardes, quase ninguém no povoado sabe jogar xadrez e ele não me deixa passar um dia sem jogar, na maioria das vezes ele me ganha. Don Raimundo já foi imigrante, cruzou caminhando o deserto do Arizona pra trabalhar de carregador de tacos de golf para os gringos. Ele diz que foi bom, ganhou bom dinheiro “até andei de avião”. Entre ser fudido sem ganhar nada e ser fudido ganhando algo, o ser humano se fode ganhando. Voltou por motivos que ele não gosta de lembrar e eu não quis nem perguntar.
Já é hora do almoço, deixo Don Raimundo em casa pra depois vê-lo mais tarde durante as partidas de xadrez com seu filho. Dona Chona já me espera com a mesa posta no terraço de sua casa de madeira 3 por 6, um único vão. “Pásele muchacho” diz ela já sorrindo quando me vê. Uma boa comida simples e picante, bem mexicana. - Puxe assento Dona Chona e me acompanhe aqui enquanto almoço, isso se a senhora não tem muito que fazer aí claro. Duas horas depois estou saindo com o bucho cheio de comida e a alma cheia de lições de vida. Uma verdadeira terapia onde conto histórias, enquanto ela fala também das suas. Algumas gostosas risadas intercalam um cafezinho e uma lembrança. Sinto que minhas histórias parecem entretê-la muito e como eu adoro falar, pelo menos o faço pra alguém que ainda não as conhece de cor como Marina e os meus amigos mais próximos.
A tarde foi feita pra desfrutar-se, jogar xadrez, tomar banho de cuia com água fria, Don Raimundo não pára em casa a não ser que passe e ouça a resposta que quer ouvir quando nos pergunta quem está ganhando. - Seu filho está com vantagem. Puxa uma cadeira e senta pra assistir ao jogo, como não entende nada, logo se entedia com a lentidão do xadrez e se levanta outra vez. Quando anoitece toma sua espingarda e vai caçar no lado belizenho, cruzando o Rio Hondo que divide México e Belize. Não tem tido sorte ultimamente, mas pelo menos consegue pescar algo todo dia. Não depende da caça pra comer, ganha algo bem com sua lavoura de cana de açúcar e seus bicos, tem até um carro velho.
Assim termina o dia e a única coisa que sei agora é que me arrependo de todos os dias que reclamei da vida por qualquer motivo.

“Viola, furria, amor, dinheiro não.”

Diário de campo 18/11/05

Tu ausencia es lo más doloroso
Ni la mordida del perro de anteayer
Me causa tanto incomodo como el sin ti.
Tu recuerdo es la más desesperada esperanza.
Tu imagen es mi consuelo nocturno
Cuando me despido, con la conciencia entorpecida de trabajo
Nuestra vida, amor, es lo que inunda mis sueños.
Los sueños, esa masa espesa de pensamientos
Se hacen nubes cuando los visitas.
Ahora que traes adentro de ti, mi sueño
Que lo das forma, color, pensamiento
Es como si fueras tierra, mar y fuego.
Eres todo lo misterioso, todo lo asustador
Eres la diosa quimera, criatura y criadora.
Mi redención y mi euforia.

Monday, November 14, 2005

Tony “El Tigrero”

Na vida nos deparamos com muitos personagens marcantes, gente de outro mundo, de outros hábitos, de outras idéias. Nas minhas andanças de biólogo, tive a sorte de conhecer pessoas muito interessantes: homens do campo, homens da mata, crianças espevitadas, mulheres de olhares distantes e caçadores e suas histórias.
Tony “O Tigrero” é uma figura dessas, um homem de meia idade, que já caçou segundo suas contas: 284 onças-pintadas, umas 100 suçuaranas (onças pardas), outras dezenas de veados, porcos-do-mato, cabritos monteses da América do Norte, antílopes da África, codornas e faisões de sei lá onde mais. Um homem que dedicou toda uma vida a caçar e caçar, sempre com seus cachorros de raça black and tan. Esse sujeito hoje se dedica paradoxalmente à conservação da onça-pintada, ou tigre como dizem os mexicanos da Selva Maya do México num projeto em parceria com meu orientador da UNAM.
Seu nome é Antonio Rivera, filho de um ex-dono da filial mexicana produtora de “água preta do capitalismo”, a coca-cola. Nasceu em berço de ouro multi-milhionário segundo suas próprias palavras. Quando adolescente caçava codornas e faisões com seus cachorros como um passatempo de rico a la inglêsa que sai a caçar raposas com cavalos e cachorros. Tocava numa banda de rock do México até seus 19 anos, estudou nos EUA como todo bom filho de mexicano rico. Manejo de fauna silvestre era o nome da graduação na Universidade de Montana, alí conheceu a um monte de caçadores gringos e pegou gosto pela coisa que aos poucos passou de ser um passatempo a uma atividade constante. Como era rico, podia dedicar-se a essas “pendejadas” (idiotices) como ele diz. Dedicou tanto tempo a isso que não terminou seu curso lá na gringolândia e voltou ao México para vender caçaria de onça-pintada a gente rica que lhe pagava 10 mil dólares pra que ele possibilitasse a um comum executivo de bolsa de valores a emoção de caçar um bicho brabo desses no meio de uma floresta virgem do México.
Assim viveu por 30 anos, caçando em média 20 bichos desses por ano e tirando livres de imposto uns 200 a 300 mil dólares por ano, continuava rico caçando onça. Segundo ele de todos os bichos que ele caçou, apenas 6 morreram por disparos dele. Cinco onças quando amigos fazendeiros seus lhe pediam que ele matasse a uma gato que andava comendo bezerros nas suas terras. A única onça-pintada que ele matou por gosto foi na Bolívia, onde se sabe que como no Pantanal mato-grossense habitam as maiores onças-pintadas do mundo, uns felinos com 120 kg e toda a beleza que a evolução lhes brindou. Todos os outros animais eram mortos pelos gringos que o contratavam para acompanhar-los na floresta, procurar, perseguir e encurralar a onça com os cachorros para que os gringos dessem o tiro no bicho e posassem para fotos com os cadáveres das bestas. Em 94 se proibiu a caça de onças no México e ele já não sabia fazer outra coisa mais que caçar onça. Faliu, hoje mora numa modesta casinha alugada em Chetumal.
A única saída que encontrou para continuar “caçando” foi trabalhar para a conservação da onça-pintada na Selva Maya que abarca todo o sul do México, Belize, Guatemala, e parte de Honduras e El Salvador. Sua função no projeto de conservação do maior predador da Floresta Tropical americana vai desde a elaboração do plano inicial, contatos, procura de fontes de financiamento até a mão na massa. Na verdade a mão na massa é a sua razão nisso tudo. Ele segue caçando onças com seus cachorros e seu rifle, mas desta vez pra colocar colares de telemetria nos bichos que serviram pra estudar seu movimento dentro da floresta, estimar sua densidade e preferência de habitats. Com isso esse sujeito é feliz.
Escutar Tony O Tigrero falar de suas caçarias, de suas andanças, de seus tigres é escutar uma mãe coruja falar de seu mais genial rebento. Minha reação de biólogo ao ver as suas fotos com centenas de onças mortas foi de espanto. Mas tenho que confessar que senti um pouco de inveja dele também. Por alguns minutos enquanto folheava seus álbuns com as fotos dos cadáveres de onça e sorrisos dos gringos que as mataram, imaginei como seria estar em caçarias de onça, 3 ou 4 pessoas e uns 5 ou 6 cachorros bem treinados. Encontrar um rastro de um bicho daqueles depois de horas caminhando pela mata fechada, abrindo caminho a facão. Logo soltar os cachorros a procurá-los por mais algumas horas, correr atrás dos cães loucos e encontrar um bicho brigando e esturrando me pareceu algo emocionante. É a emoção de caçar, que naturalmente trazemos no DNA de caçadores que sempre fomos. Comecei a me lembrar de quando era pirralho e caçava passarinhos e lagartixas nas ruas do então semi-selvagem Engenho do Meio. Lembrei da emoção que sentia quando conseguia matar a um pardal, lembrei das vezes em que me acordei cedo pra ir pegar passarinho no matagal do clube da Sudene com a esperança de cair alguma patativa ou papa-capim no meu alçapão. Lembrei das malvadezas que fizemos eu e meus primos André e Fernando em Maceió quando decidimos todos os gatos da vizinhança da casa de minha tia deviam pagar porque um deles havia comido um passarinho engaiolado nosso. Construímos bodoques potentes e saímos a caçar gatos. Sem falar nas pescarias e mergulhos pra pegar qualquer peixinho minúsculo em Porto de Galinhas. Não faz 6 meses, Marina testemunhou minhas tentativas constantes e perseverantes de pescar um peixão numa prainha por onde passamos de viagem aqui no México. Dois dias inteiros e nem um peixe, mas a cada lance do anzol, minha esperança renascia. É bom demais caçar qualquer coisa. Perdão pela sinceridade, e pelo politicamente incorreto, mas caçar é realmente humano.

Saturday, November 12, 2005

Diário de campo, Chetumal nov/2005

09 nov

No avião.

Outra vez estou voando. Pode parecer banal para os executivos engravatados, mas pra mim um reles mortal, segue sendo uma experiência no mínimo inspiradora. Alguém deveria tomar uma providência e patrocinar vôos para poetas, escritores ou até para os que sofrem de depressão. Voar deveria ser usado como terapia emocional. Ora, o céu já não pertence somente ao Condor e nós criaturas não-aladas podemos voar em monstros de ferro, mas podemos voar sim. Quando decolamos do México estava muito ansioso pois tinha a esperança de ver os vulcões de cima, do céu, como quando cheguei aqui. Não deu, estava bastante nublado o céu e o casal Popocatépetl e Iztaccíhuatl estavam escondidos, imersos num imenso algodoal celestial, frio e manso. Manso sim, quando o avião ascendeu sobre o que do solo parecia uma tempestade apocalíptica com céu negro e pesado se via um extenso e suave campo branco. O sol que da cidade do México não se via há vários dias ainda caía no ocidente tamisando o céu num nítido gradiente de azuis e laranjas.
Agora já anoiteceu e os passageiros se entretêm com amendoins e refrigerante. Somente amendoins e refrigerante! Pareceu-me de uma pirangagem sem igual da companhia aérea. Porra, estou voando e me servem somente essas merdas! Que tal um vinho, ou até mesmo uma cerveja. Bom, talvez eu ainda tenha uma lembrança de quando eu era bem pequeno, uns 6 anos e voei com minha família a Porto Alegre e me lembro muito bem que era como uma festa, toda aquela comida servida em potinhos, com garfinhos e frescuras assim... ah!. Mas voltando aos passageiros, esses comem amendoins e tomavam água negra do capitalismo, faziam palavras cruzadas e desejavam corpos e celulares anunciados nessas patéticas revistas de bordo.
Eu ...vou terminando essa nota porque ainda resta mais uma hora de vôo e apreciar as luzes humanas a 8000 m de altura me faz pensar em formigas e formigas são como nós, insignificantes e encantadoras criaturas.