O nosso dia de finados no Brasil é conhecido no México por um nome mais claro, “Día de Muertos”. Apesar de a palavra “finados” significar o mesmo em espanhol e em português, os mexicanos preferem nomear esse dia de maneira mais crua, sem esse negócio de finados, defuntos, desencarnados e etc. A morte é a morte e quem padeceu desse mal, ou foi vítima desse fenômeno tão antigo como a vida é morto e pronto, quem sofre de morte é morto e se acabou. Acabou a frescura semântica, mas não o significado social. A morte tem realmente um significado muito complexo entre os mexicanos.
As civilizações pré-hispânicas cultuavam inúmeros deuses, cada qual com seu “domínio” no mundo visível e no invisível. Mas uma coisa era comum entre todos eles: a morte. Vários deuses têm seu nascimento contado através da morte. Contraditório mas verdadeiro, a deusa Coyolxalhqui (clique aqui para ver a foto) é uma divindade totalmente esquartejada. Sacrifícios humanos eram tão comuns quanto os nascimentos entre aztecas e mayas. Depois da conquista espanhola a prática de sacrifícios cessou junto com a maioria dos ritos pré-hispânicos. Mas o imaginário do mexicano continuava povoado de morte. Dessa vez a sua própria morte nas mãos dos conquistadores, sob a espada, a fome e a igreja católica. Essa última por sinal, que não acredita que os mortos voltavam ao mundo dos vivos, foi abrigada a incorporar ou pelo menos tolerar esse culto dos mexicanos à morte como a mais importante ferramenta para a catequização indígena junto com a Virgem de Guadalupe. Tanto foi assim que o dia de mortos passou a ser festejado pelos mexicanos na data católica de finados, 2 de novembro, não era essa a data pré-hispânica.
Mas de onde vem essa maneira tão particular de comemorar o dia de mortos? Na minha singela opinião a grande diferença entre o jeito mexicano e festejar essa data e os demais vem de um simples fato: os mexicanos crêem realmente que os mortos vêm ao mundo dos vivos nesse dia. Ora, se eles vêm porque não recebê-los com festa, comida e baile? Aí repousa a grande diferença. Esse sentimento é realmente autêntico e verdadeiro na gente do México, independentemente de religião. A diferença dos espíritas kardecistas, que também crêem que os mortos vêm ao mundo dos vivos para escrever livros, fazer caridade ou assombração a qualquer dia ou hora. No México a volta dos que já foram tem dia e hora marcada e começa antes do dia 2 de novembro. Primeiro chegam os suicidas no dia 31 de outubro, depois vêm os niños no dia 1 seguidos de jovens, solteiros, casados com filhos, sem filhos e idosos, os últimos já na madrugada do dia 1 para o 2. Ademais, os mortos vêm visitar seus familiares e entes queridos e principalmente matar saudade dos prazeres mundanos como comer, fumar, beber, bailar e há quem diga até trepar. Então, suas famílias preparam um altar com fotos do morto, comidas e bebidas de seu agrado e flores amarelas que indicam o caminho do cemitério à casa. Caveiras de açúcar decoradas com os nomes dos mortos e dos vivos também ilustram as oferendas. Pães com motivos de ossos, doces que simbolizam órgãos vitais. Tudo que é referente à morte pode ser comido numa atitude de burla. Dança-se com a morte (através do morto), se como na mesa com a morte, decoram a casa com morte. Mas a morte tem cara de vida, usa chapéu, sombrero, bigode. A morte toca música, faz comida, usa roupa de vivo. Por todos os lados as caveiras são como pessoas felizes, tocando, comendo, dançando. Por todos os lados as pessoas estão com seus mortos, felizes por recebê-los em casa outra vez, de lembrá-los de dar-lhes de comer e também de chorar por eles. Na verdade somos caveiras ambulantes, seres efêmeros que voltarão para de onde vieram. A morte não escolhe mas recolhe, e recolhe a todos sem exceção. A morte significa vida, sem a morte nada existiria, nada seria. O tempo não correria a o mundo não giraria, pelo menos para nós humanos.
No México não há nada mais natural que a morte. Nessa hora até eu e Marina, céticos e ateus que não acreditam em almas ou coisas assim, esquecemos nossas filosofias e armamos nosso altar em casa pra receber a nossa querida Keka, tomar uma cerva com ela, fumar um cigarro e comer umas coisinhas que ela gostava. Vamos escutar a música que ela gostava e lembrar dela com alegria, e tenho certeza de que ela vem juntar-se a nós aqui e compartilhar esse bom momento com seus compadres.
La muerte se goza, baila y disfruta en México.
5 comments:
Sempre passando por aqui.
Acho bonito isso de poder deixar algumas crenças de lado para poder viver experiências fortes como essa do dia dos mortos aí no Mexico. Não sei se é coisa de biólogo, mas suas descrições de ritos e de gestos tem muito das descrições etnográficas e ajudam a visualizar os contrastes antes da emissão propriamente dita dos julgamentos. Achei interessante a comparação feita com o cardecismo no Brasil. Não sei até que ponto o que eu vou dizer faz sentido, mas acho que a doutrina espirita no Brasil tem muito a ver com nossa conjutura socio-economica. Sempre a encarei como meio de "aceitar" uma riqueza qualquer diante das disparidades mais crueis. É bom poder acreditar que mereço ter dinheiro porque em outra vida fiz por merecer e que outros não tem por causa de uma espécie de julgamento extra-mundano qualquer.Ameniza a culpa. Não sei se o que digo é duro, mas tenho a impressão de ver na classe média e em alguns setores da elite as regiões de maior apelo dessas crenças. E se tento endender o porquê, só encontro resposta na autocomplacencia do tal discurso cardecista.
E a saudade de Keka... Sem comentários.
adorei seu texto...estou fazendo meu trabalho final de graduacao...e o dia dos mortos eh meu tema...
www.eldiadelmoda.blogspot.com
gostei muito! bom blog :)
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