Sunday, June 17, 2007

Sobre a formação de um biólogo


Durante minha graduação em biologia eu sofri de enamoramento por diversas áreas da biologia. Primeiro, consegui um estágio em um laboratório de bioquímica, com direito a usar bata e manipular pipetas de precisão. Aprendi em alguns mêses a fazer uma "curva de sei lá o quê" depois de diluir uma proteína num líquido qualquer. A professora me elogiou uma vez dizendo que eu tinha feito uma excelente curva. Nesse mesmo dia eu abandonei esse laboratório porque percebi que tinha feito algo bem sem nem saber o que fazia e isso me pareceu uma armadilha perigosa. Depois desse laboratório, estagiei no Espaço Ciência de PE. Esse sim foi excelente, me dava bolsa e eu sabia exatamente o que fazia lá. Dava aulas para crianças e jovens com a missão se despertar-lhes a curiosidade pela ciência, o gosto pelo conhecimento. A biologia começava a ter sentido pra mim. Os seguintes estágios foram uma sucessão de experiências fracassadas com professores sem a mínima noção de ciência. Mas como afirmei antes, eu me enamorei de todos eles, mas como passa a quase todo enamoramento súbito (o que é muito diferente do amor), essa quebra inicial de barreiras é logo sucedida pelo tédio da falta de porquês.

Durante esse período, fui a muitos encontros de estudantes de biologia, nacionais e regionais. Uma das grandes vantagens desses encontros era trocar idéia com todo tipo de gente sobre a biologia e o papel do biólogo no mundo. Dominava a noção de responsabilidade social do biólogo. Uma mescla de pseudo-hippismo pós-moderno com um socialismo elitizado, tudo isso dentro de um paradigma muito forte de sustentabilidade. As "comunidades" eram a chave de tudo, o trabalho com as "comuniades" enobrecia o biólogo e o desprezo (ou diria despeito) à ciência se tornou uma posição politicamente correta entre os que compartilhavam dessa visão de mundo.
Fui partidário dessa idéia por muito tempo até que vi que esse ativismo pesudo-hippie tampoco representava uma alternativa de solução para os problemas ambientais e muito menos para a inserção do biólogo na sociedade. Por outro lado a "ciência" que eu conhecia era quase totalmente descomprometida com o mundo e até mesmo com a própria ciência. E foi dentro desse dilema que me formei como biólogo.

Um dos lados desse dilema me persegue até hoje, já que num doutorado é mais difícil encontrar pseudo-hippies uma vez que por definição esses não são chegado à ciência. Por outro lado, abundam a falta de compromisso e de sentido na ciência. A imersão num tema de estudo pode isolar tanto um cientista que o torna um bicho estranho. O grande biólogo Edward O. Wilson chegou a afirmar em seu livro Naturalist que para ser bom em algo, um biólogo deve ser capaz de se fusionar com seu objeto de estudo. É essa fusão que muitas vezes deforma o papel do biólogo na sociedade, o torna uma criatura sem muito traquejo social, até para questões de convivência. O objeto de estudo se torna um fim em si. Mas, não será todo objeto de estudo um fim em si?

É perigoso pensar que a ciência deve ter uma motivação prática, uma aplicação. Muito do nosso conhecimento hoje em dia, pra não citar os famoso avanços tecnológicos que possibilitaram a sociedade industrial, veio de descobrimentos e teorias sem pretenção prática no momento de sua descoberta ou proposição. Isso mostra que a ciência é importante, que tem valor. Mas ainda que nunca chegue o dia em que o estudo da seleção sexual entre libélulas tenha uma aplicação no mundo, ele pelo menos contribuirá para um maior entendimento da natureza, da evolução da nossa história como parte do planeta.

Não quero me fundir com meu objeto de estudo ao ponto em que me transforme numa árvore, isolada e passiva. Tampouco acredito no "bom selvagem" que supostamente habita dentro de nós e cuja liberação coletiva será a panacéia da humanidade. Penso que a vida me deu chance de fazer o que eu gosto e que o que eu gosto de fazer tem o potencial de contribuir com um mundo melhor. Pensando como um budista, busco o caminho do meio.

1 comment:

Anonymous said...

Tenho acompanhado tuas memórias inquietas, teus dilemas incansáveis, tua maturação constante... de biólogo, de ser humano. Sempre achei que blogues legais são aqueles onde se pode dividir esse tipo de coisa, misérias e alegrias, nossa vocação para estar no mundo, lutar por ele.Abraço carinhoso e saudoso. Jampa.