É impossível para mim. Sempre faço algumas comparações, algumas até maldosas, quando convivo o suficiente com os estadunidenses. Bastam alguns dias para que eu comece a ver que realmente são criaturas muito estranhas esses gringos. Aqui estou eu, na estação de LosTuxtlas, aproveitando a passagem do meu orientador pelo México para terminar umas coisas pendentes. Pois é, o “hijo de puta” está em Stanford em seu ano sabatino e creio que deve ficar por lá. Bom mas isso é outro assunto. O fato é que o motivo de sua vinda ao México foi um curso de campo de ecologia que ele ofereceu para os gringos de Stanford. Pois bem, cheguei no meio do curso com a intenção de aproveitar sua presença e escrever e discutir umas coisas. Foi ótimo, ele me ajudou muito, discutimos e tiramos muita onda com os gringos tabacudos. Durante as horas vagas saí a campo para ajudar a gringalhada em seus projetos. Lembrei do filme de Olímpio e CIA, pois os tabacudos pareciam verdadeiros GI-Joes (Comandos em Ação) cheios de parafernálias próprias para explorações arriscadas nas terras remotas e selvagens dos trópicos. Bom, até aí foi divertido, aperfeiçoei meu inglês macarrônico e dei umas voltas em lugares da reserva de Los Tuxtlas que não conhecia. Entretanto, depois de 3 dias de convivência com alunos de graduação em biologia de Stanford que pagam 60 mil dólares anuais (ufa!), tomei um abuso tremendo dessa gente. Um dia estava eu um pouco entediado de estar horas escrevendo trancado no meu quarto. Bom, desci do meu quarto e fui ao encontro de uns quatro gringos que trabalhavam num dos laboratórios medindo folhas e contando bichinhos, sei lá. Comecei oferecendo-lhes ajuda para qualquer coisa que fosse.
- No, Thanks!-
E um sorriso cor de barro. Estive como meia hora tentando puxar assunto com eles.
- Oh, really?-
Outro sorriso amarelo. Desisti e fui ao encontro de chinês-gringo, filho de imigrantes, que era o único não biólogo do grupo. O cara estudava computação e está desenvolvendo uma caneta mágica que guarda as informações que tomamos no campo. Tecnologia espacial, pouco funcional e cheia de fricote. Estava ele sentado na frente de um dos quartos, com seu computadorzinho no colo.
- ¡Hola Ron!-
Outro sorriso amarelo, e uma escapada pela direita alegando que os mosquitos lhe molestavam muito ali naquele lugar. Porra, estamos numa estação biológica dentro da floresta! Como não vai ter mosquito?
No dia seguinte duas gringas foram vítimas da vingança de Moctezuma. Foram para no hospital com gaganeira.
- Fucking food, made by hands.-
Referia-se às tortilhas que são feitas a mão. Pois é, para quem só come comida de plástico qualquer coisa que não seja ensacada, esterilizada e com conservantes pode causar danos sérios à pança. Moctezuma venceu!
No último dia foi uma comédia na hora do almoço. Serviram-nos galinha guisada com arroz e ervilhas, e claro, tortilhas. Estava uma delícia. Então começou a paranóia entre os gringos. Como comer a galinha guisada sem usar as mãos? Usando as tortilhas é claro. Mas essas são feitas a mão e podem contaminar minha pançinha de porcelana. Aí fudeu, só tem uma saída, eu disse em espanhol...
-Coman com las manos-
Evidentemente eles não concebiam a idéia de comer galinha guisada com as mãos então começaram a difícil tarefa de comer a galinha com garfos e facas. Os mais hábeis tiveram alguns sucessos, mas a maioria deixou 50% da galinha que estava pegada ao osso. Enquanto isso eu dois amigos mexicanos nos deliciávamos roendo os ossos e chupando o tutano.
Mas o pior foi quando eles assistiram a uma apresentação sobre a Doença de Chagas, que uma compatriota sua está estudando aqui em Los Tuxtlas. Puta, quando eles descobriram que aqui é hábitat do percevejo barbeiro e que na verdade a distribuição da espécie chega até o sul dos EUA, pronto, foi um pânico geral. Todo inseto que se via poderia ser um barbeiro. Um das meninas até mandou um e-mail pra mãe perguntando se ela já havia visto um inseto assim-assado pela casa dela que fica justo nos sul dos EUA e na zona de distribuição do inseto. Que comédia, ver esses gringos assim.
Pois é, mas enquanto eu faço piadas de mau gosto com eles, eles seguem fudendo o mundo sem pudor algum. Talvez por isso eu goste tanto de perceber essas coisas neles e sempre que posso, faço umas piadas depreciativas a seu respeito. É uma maneira de descontar minha raiva, minha indignação. Mas na verdade, sendo brasileiro e vivendo no México posso ver como são arrogantes esses gringos. Foram embora na segunda de manhã, de regresso às suas casas e sua universidade de 60 mil dólares/ano. Saíram daqui como provavelmente entraram, sem dar uma palavra com ninguém. Um adeus se quer a cozinheira Doña Antonia, que lhes serviu a comida todos os dias e que até preparou sopinha e comidinha leve para as vítimas de Moctezuma. Nem um “bye” a Miguel que limpava as privadas imundas resultantes dos desarranjos intestinais. Nem um “adiós” a mim, um simples estudante latino que lhes deu de presente uma idéia para seu projeto e servia de intérprete entre eles e cozinheira todos os dias. Mas é assim, somos muito diferentes, e eu, gosto mesmo é de comer com as mãos!
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