Sunday, February 27, 2005
Sobre a chegada em Tenochtitlán
Amanhecia e o avião estava se aproximando do vale do México, uma faixa larga de uns 70 Km de largura por algumas centenas de comprimento, bem no meio da Sierra Madre. Pela primeira vez eu vi neve ao vivo, estava na cima dos vulcões Popocatepetl e Iztaciuatl, o primeiro ainda ativo. De repente quando o avião passa pelos vulcões, aparece a Cidade do México, uma extensão de concreto que se perdia da minha vista de tão grande, ou talvez pela poluição do ar. Esse lugar parce haver sido destinado para ser a maior cidade do mundo desde muito tempo atrás. Quando chegou Hernán Cortez em Tenochtitlán a 500 anos atrás, viviam 200 mil pessoas nesse lugar. Uma cidade de maiores proporções que a maioria das cidades européias daquela época. Hoje são cerca de 20 milhões. É o caos mais bem organizado que já ví.
Os antes nômades aztecas chegaram à esse lugar e viram cumprida uma antiga profecia. Uma enorme águia devorava uma serpente encima de um nopal. Reconhecido o sinal, numa ilha localizada na margem norte do raso lago Texcoco que cobria grande parte da planície desse vale começou-se a erguer a capital de uma das mais importantes civilizações pré-colombianas.
Hoje, por trás dos vulcões, um mar urbano cobre as terras, ou águas, roubadas do lago. O que antes era uma cidade no meio de um lago, agora é uma pequena poça de água suja no meio de uma selva de pedra. Ar poluído, trânsito louco, ruídos familiares de uma selva cinzenta. Mas os rostos, esses sim são os mesmos de antes, feições indígenas por todos os lados. Nas primeiras andanças algo muito similar, barracas nas calçadas, cheiros e sons mesclados num caos já bem familiar a um recifense. A pobreza, igualmente avassaladora roubando a dignidade dos antigos donos dessa terra. É uma sensação esquisita ver a uma mulher nahuatl sentada nas escadas do metrô com seu filho menor dormindo num “reboso” e o maiorzinho tocando uma sanfona, uma mistura de beleza e decadência fruto de mais uma das igualmente injustas sociedades latinoamericanas.
Outro aspecto marcadamente familiar no México é a amabilidade das pessoas, o humor, o gosto pelo toque, apertos de mão, abraços, beijos são igualmente comuns aqui. Comecei a dar-me conta de que somos mais parecidos do que imaginávamos. Pena que a proximidade com a Gringolândia já tenha influenciado demais os governantes corruptos daqui. Não se pode consumir álcool na rua, e durante uma festa popular na praça as pessoas não podem tomar sua tequila ou sua cerveja. É a caretiçe anglo-saxôna que tenta se impor por aqui. É ridículo ver um povo tão alegre e festivo não poder desfrutar de sua bebida preferida na rua. Centenas de Mcrefeições e similares em cada esquina tentam mas não conseguem ganhar a preferência dos mexicanos aos “tacos” imundos, enchiladíssimos e saborosos das barracas de rua. Lembro dos espetinhos, macaxeira com charque e etc...
Aos poucos me convenço de que a separação da américa latina é um erro, é uma farsa, somos mais parecidos entre nós latinoamericanos, apesar de diferentes mesclas conquistadores-conquistados que entre nós e nossas respectivas “metrópoles”. Mas parece que de manera cega seguimos querendo ser “europeófilos” ou “estadunidensófilos”. Tomo emprestadas palavras de Gabriel G. Marques que ao ser premiado com o nobel de literatura disse: “Deixem-nos ser como somos, se estamos errados queremos nós mesmos descobrir”.
Agora pela primeira vez, estou reconhecendo-me como um latinoamericano e sei que relamente existe esse sentimento, essa identidade por que a reconheço, a vejo o muito clara e que não é uma criação dos intelectuais de esquerda dos anos sessenta. ¡VIVA LATINOAMÉRICA!
Felipe Melo
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